Seria possível aprofundar essa questão, polêmica por si,
como, por exemplo, refletindo sobre as múltiplas facetas de exu e a diversidade
de interpretações existentes nos cultos.
Desde os idos da antiga África que exu deixa estupefatos os
circunstantes. Para alguns umbandistas, mais ligados à tendência católico espirítica,
é um grande incômodo, e não são permitidas suas manifestações. Para outros,
liberados de constrições culposas, exu ainda é vestido pelo inconsciente do
imaginário popular com capa vermelha, tridente, pé-de-bode, sorridente entrelabaredas.
Há ainda os que "despacham" exu para não incomodar o culto
aos"orixás". "Exu, sendo considerado entidade, não deve
entrar", dizem os ortodoxos que preconizam a pureza de algumas nações,
pois ali não há lugar para egum, espírito de morto.
Existem os mais entendidos nos fundamentos da natureza oculta
que compreendem exu como o movimento dinâmico de comunicação entre os planos de
vida. Entendem que o axé (asé) impulsiona a prática litúrgica, que, por sua
vez, realimenta-o, pondo todo o sistema em movimento. Exu, vibração
indiferenciada, não manifestada na forma transitória de um corpo astral ou
outro veículo do plano concreto, é o que põe em movimento a for~ do axé, por
meio da qual se estabelece a relação de intercâmbio da dimensão física (concreta)
com a rarefeita, a dimensão espiritual.
Em conformidade com essa conceituação, exu passa a ser
indispensável, além de o elemento de ligação mais importante em toda a liturgia
e a prática mágica umbandista. Sendo exu o transportador, o que leva e traz,
abre e fecha, para os africanistas ligados às tradições antigas, como
concebê-lo sem o sacrifício animal para a realimentação da força vital (o asé),
diante do preceito de que o sangue é o perfeito e indispensável condensador
energético com essa finalidade?
Quando nos referimos a africanista, não queremos dizer negro. Para ser africanista, no sentido
de preconizar a retomada dos antigos ritos tribais, pode-se ter qualquer cor de
pele.
Existem muito negros que têm verdadeira ojeriza a qualquer sacrifício,
assim como há muitos brancos a postos com faca afiada.
Pedimos muita reflexão sobre as próximas afirmações. Reduzir
toda a movimentação das forças cósmicas e seu ciclo retro vitalizador ao derramamento
de sangue pelo corte sacrificial é uma visão estreita e fetichista da
Divindade. É uma posição reducionista, que demonstra dependência psicológica.
Na atualidade, verifica-se que essa "práxis" extrapolou os limites de
fé dos antigos clãs tribais e objetiva a manutenção financeira de cultos
religiosos e o prestígio de seus chefes, dado que o sangue está ligado equivocadamente
à força, ao poder, à resolução de problemas e à abertura dos caminhos. Saber
manipulá-lo, ter cabeça feita, ser iniciado no santo, tudo isso simboliza esse
poder. Esse apelo mágico divino atrai, pelo natural imediatismo das pessoas. em
resolver seus problemas.
Afirmamos que é plenamente possível movimentar todo o axé,
harmonicamente integrado com a natureza de amor cósmico e natureza crística da
umbanda, equilibrado com sua essência, que é fazer a caridade desinteressada e gratuita, sem ceifar
vidas e derramar sangue. O próprio aparelho mediúnico é o maior e mais
importante vitalizador do ciclo cósmico de movimentação do axé. Ele é o
"fornecedor", a cada batida de seu coração, do sangue que circula em
todo o seu corpo denso, repercutindo energeticamente nos corpos mais sutis e
volatilizando-se no plano etérico. Dessa forma, os espíritos mentores que não
produzem essas energias mais densas e telúricas valem-se de seus médiuns que
fornecem a vitalidade necessária aos trabalhos caritativos aos necessitados. Há
os espíritos que vampirizam esses fluidos. São dignos de amor, amparo e socorro
os que fazem as falanges de umbanda.
Do livro: “A Missão
Da Umbanda” Ramatís/Norberto Peixoto – Editora do Conhecimento.
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