PERGUNTA: - Como o
fetichismo das crenças mágicas populares, juntamente com o sincretismo, fez
"exu" ser associado ao diabo, numa distorcida adoração ao demônio,
como rito institucionalizado?
RAMATÍS: - A nação africana que mais influenciou a
formação das seitas afro-brasileiras com seu fetichismo e suas crenças mágicas
foi Iorubá. Os escravos africanos, ao contrário dos índios, que não foram
escravizados, idealizaram o sincretismo para poder realizar seus cultos nas
senzalas. Inteligentemente, os orixás são santificados, correlacionados com os santos
católicos mais conhecidos.[1] Após a alforria, essa situação se fortaleceu
como forma de integração e legitimação numa sociedade regida pelo catolicismo.
Tendo em vista a dualidade da escolástica
católica (Deus e diabo), os orixás, tendo sido santificados, inevitavelmente
faltava encontrar a figura representativa do diabo. É assim que se instala nas
populações periféricas, pobres, incultas e assustadiças, constantemente
ameaçadas de serem jogadas nos caldeirões fumegantes do inferno, a demonização
"exu", que se alastra rapidamente com o apelo mágico que o envolve.
No contexto cultural brasileiro, hegemonicamente católico, esse conceito de
"exu" é o que mais influenciou o imaginário popular e passou por distorções
em conseqüência da amplitude do processo de inclusão social dos cultos que
saíram do interior das senzalas e ganharam as ruas e os morros, sendo transfigurado
no diabo pelo candente sincretismo.
Para entenderdes a origem ancestral da
questão, importa dizer que para os povos iorubás, e de certa forma até os dias
atuais, nos clãs tribais, em que os homens são livres para ter muitas mulheres,
quanto mais filhos tiverem, melhor. O sexo significa procriação, progresso,
sendo cultuado o "exu" Elegbá ou Elegbara, que simboliza a
fertilidade, entre um conjunto de divindades de sua religiosidade politeísta,
todas reverenciadas com valor evocativo, mágico ou místico. Assim, num meio
social em que o sexo e suas conotações eram fortemente reprimidos e associados
ao pecado, o lado fértil desse "exu" foi muito dissimulado. A imagem
,forjada pela conservadora sociedade católica, ao contrário da liberalidade
desprovida de culpa, autoflagelação e penas eternas dos iorubás, extirpou o
esplendor reprodutivo do explícito Elegbá ou Elegbara, tradicional no panteão
africanista, distorcendo ao máximo os símbolos de fertilidade, bem como o foi
Príapo, deus greco-romano igualmente classificado como herético pela
Inquisição.
Com o avanço das concepções
judaico-cristãs-católicas sobre as antigas religiões dos orixás ligadas às
nações africanas, ao qual se juntou o espiritismo kardecista no final do século
XIX, esse "exu" foi empurrado cada vez mais para o lado do mal. Esse
fato se intensificou com os seguidores sincréticos da umbanda e persiste
potencializado e distorcido em muitos terreiros "umbandistas" e centros
espíritas, por intermédio de suas lideranças, que não estão muito preocupadas
com a verdadeira orientação crística e universalista de seus adeptos. Mesmo
"exu" tendo sido transformado em diabo, é um diabo dos católicos, com
a seguinte falsa imagem: ganhou chifres, rabo, pés de bode, labaredas infernais,
capa, tridentes e outros adereços dos demônios antigos e medievais,
arquitetados pelo catolicismo inquisitorial para combater as seitas pagãs. Essa
aparência assustadora foi inspirada por videntes influenciados pelas entidades
"infernais" do Astral inferior, que se locupletam nos gozos terrenos
imantados a seus dóceis aparelhos fascinados que enxameiam na crosta, ocasionando
a invasão dos congás por imagens diabólicas, facilmente encontradas em qualquer
esquina citadina, em suas floras comerciais e lojas de quinquilharias mágicas.
O Astral inferior, alter ego da maioria dos homens, exultante, conseguiu dar um
perfil psicológico de gozador, beberrão, violento e destemido e atribuiu
palavras chulas e de baixo calão aos prestimosos exus, introduzindo o falso, o
engambelo no trabalho verdadeiro dessas entidades luminares da Divina Luz, da
umbanda.
Tristemente, associaram-no a locais
dissolutos; seus sítios vibracionais tornaram-se as encruzilhadas das ruas e
seu habitat no Astral transfigurou-se em becos de
prostituição, entre vapores etílicos, baforadas de cigarrilhas fétidas, garrafas
de cachaça quebradas e mulheres seminuas que vendem o corpo pelo vil metal.. Na
verdade, esses cenários são os que nutrem os canecos e as piteiras vivas do
além-túmulo, que dominam muitos terreiros ditos de "umbanda", na Terra,
mas que aos olhos do Espaço servem de ponte para o parasitismo alimentado pelo
que há de mais inferior que se agasalha nos egos inflados das frágeis criaturas
humanas: a satisfação dos desejos, doa a quem doer.
(Origem: A Missão da Umbanda – Ramatís/Norberto Peixoto – Editora do
Conhecimento)
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