"A pajelança indígena é um
termo que designa as diversas manifestações mediúnicas dos índios brasileiros.
Geralmente é realizado um ritual em que o sacerdote (pajé) entra em contato com
espíritos de ancestrais e de animais, com a finalidade de cura e resolução de
problemas da tribo. Nessas sessões, podem ser tomadas infusões de ervas ou
fumadas determinadas folhas que facilitam o desdobramento astral, fazendo com
que o medianeiro ingresse no mundo dos espíritos de forma induzida e não
natural. Obviamente temos muito da herança silvícola na umbanda, mas não
utilizamos recursos alucinógenos para a manifestação dos espíritos. Verificamos
ainda uma pajelança cabocla, com diversos nomes, difundida na Amazônia e no
nordeste do Brasil que se "umbandiza" aos poucos. Existem fragmentos
rituais do catolicismo popular, rico em ladainhas, do xamanismo indígena, com beberagens,
e, infelizmente, os indispensáveis sacrifícios (ebós) preponderantemente
provindos das nações africanas, de maneira geral ritos locais conhecidos como
Catimbó, Tambor de Mina, Jurema e Toré, que dão ênfase ao tratamento de doenças
e consolo psicológico às populações carentes (cura, arrumar emprego, amor, alimentto
etc.), as quais, em muitos casos, só encontra nas práticas mágicas populares a possibilidade
de realização de seus anseios diante de uma vida sofrida.
Observamos que esses
ritos se distanciam da umbanda quando cobram, matam animais, não respeitam o
livre-arbítrio e estabelecem uma relação de troca com os espíritos,
"facilitando" a vida dos carentes que os procuram para um escambo de
benesses. Por outro lado, muitos pretos velhos e caboclos missionários, que são
como bandeirantes andarilhos de Jesus, vão consolando e falando do Evangelho do
Divino Mestre nesse meio ritual, um tanto anárquico e fetichista, de maneira a acalmar
a urgência dos filhos de fé em verem atendidos os seus pedidos e despertá-los
para as verdades espirituais que ensinam: "a semeadura é livre, mas a
colheita é obrigatória".
Quanto ao catolicismo,
urge esclarecer que os santos católicos já devem ter reencarnado animando
outras personalidades na matéria. Acreditamos, respeitando as diferenças e a necessidade
cármico-evolutiva de cada terreiro, que as imagens africanas dos orixás são
mais originais e afins à umbanda do que qualquer outra. Basta olhar um ogum
africano, simbolizando o orixá em seus atributos ancestrais que se perpetuam no
tempo, independentemente de uma individualidade, para comprovarmos a oceânica
diferença de São Jorge, um espírito que encarnou, mesmo sabendo da intensa
adoração e força que a fé coletiva deposita nesse "santo".
Diante disso, é
impensável não cultuar na umbanda o São Jorge dos católicos, em cima do cavalo,
com espada em punho subjugando o dragão. Esse nosso modelo de interpretação se
baseia principalmente na associação feita na época da escravatura entre os santos
católicos e os orixás, em decorrência da proibição religiosa de culto que os
africanos sofreram. Hoje, no entanto, num ambiente de liberdade, devemos manter
o sincretismo católico de acordo com fé de cada grupo, porém conscientes das
leis universais de reencarnação que imputa aos espíritos santificados na Terra
a abençoada reencarnação, acima dos separatismos causados pelos dogmas
religiosos.
Outro aspecto do
catolicismo presente em muitos terreiros são sacramentos como o batismo e o
casamento, e até as procissões em vias públicas, como as habituais festividades
para Ogum e Iemanjá que coincidem com o calendário católico - a nosso ver,
práticas do catolicismo amalgamadas em uma parte significativa da umbanda, assim
como era comum antigamente os filhos de africanos e índios catequizados
freqüentarem ao mesmo tempo tanto a igreja como os cultos de suas nações e
tribos. A aplicação desses sacramentos e também das chamadas iniciações ritualísticas
é que acaba por criar uma casta sacerdotal que vive da religião, cobrando pelos
serviços prestados. Lembremos que Jesus fazia tudo de graça.
No tocante ao
espiritismo, a diferença básica, sem dúvida, é a ausência de ritual nos centros
espíritas, os quais estão presentes na umbanda em abundância, e até de maneira
anárquica e diversificada, ao contrário da rígida padronização existente no
movimento espírita ortodoxo.
Entendemos que as
semelhanças se dão quanto ao apelo caritativo, à mediunidade, à aceitação da reencarnação
e da pluralidade dos mundos habitados, entre outras verdades universais.
Entretanto, a maior semelhança entre ambas é a presença de Jesus, que na umbanda
é sincretizado com o orixá Oxalá. Por isso, ao anunciar a nova religião, o
Caboclo das Sete Encruzilhadas associou-a ao Evangelho. Teria sido acaso a
presença dos ensinamentos do Cristo num ambiente religioso em que se cultua os
orixás? Responderemos este assunto mais adiante.
Concluindo este capítulo,
queremos dizer que nossa intenção não é recomendar uma prática de umbanda
purista, mas sim fortalecer sua identidade, suas raízes ancestrais, inseridas
num contexto social e psicológico atual, livre de perseguições e preconceitos
religiosos, num ambiente de saudável diversidade, em que as diferenças devem
unir e as semelhanças fortalecer. A umbanda sobressai em relação a outras
religiões, pois se adapta às consciências nas localidades geográficas onde se
expressa, dando o tempo necessário, de acordo com a capacidade de compreensão
de cada coletividade envolvida pelo manto da sua caridade, ao crescimento
espiritual, sem julgamentos belicosos ou imputação de dor e sofrimento como
formas de crescimento. Por sua ampliada universalidade, atrai para si outras
religiões, fazendo com que o entendimento de cada consciência encontre
referências rituais em seus terreiros, tal como uma costureira que alinhava
vários retalhos numa mesma colcha. A umbanda resgata o consolador crístico,
assim como Jesus fez em Suas andanças terrenas, e não imputa aos seus
prosélitos que "fora de sua seara não há salvação".
O axé através da
mediunidade · Estrutura energética do homem, carma e regência dos orixás · Finalidade
dos amacis e banhos de ervas. A importância do ritual, o espaço sagrado nos
terreiros e sua diversidade de culto · As diferenças ritualisticas e a formação
da consciência umbandista; a união nas desigualdades;
religião, filosofia, ciência e arte.”
(Origem: Do
Livro “Umbanda Pé No Chão”– Ramatís/Norberto Peixoto – Editora do
Conhecimento)
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