Para aquela mulher, com setenta e seis anos de idade, era
quase impossível compreender a confusão em que sua vida se transformara após
uma cirurgia tão simples. Tudo ocorreu da forma desejada no plano físico,
porém, tanto ela quanto o médico, ignoravam que no plano astral havia se desencadeado
um processo de resgate, tanto ou mais dolorido que sua perna enferma.
Acordada durante a noite por um forte estalo no quarto,
visualizou ao lado da cama uma fumaça esbranquiçada que aos poucos tomou a
forma de uma pessoa. Assustada, acendeu a luz, e a imagem sumiu. Seqüencialmente,
outras formas foram invadindo sua casa e sendo visualizadas somente por ela,
criando quadros de terror. O pós-operatório foi feito de noites de medo e
insônia, em decorrência da movimentação no lado astral, totalmente aberta à sua
vidência. Eram animais peçonhentos, pessoas deformadas, brincalhões que a ameaçavam,
mulheres que arrastavam crianças e jovens que praticavam sexo.
O medo tomava conta de sua vida, embora estivesse bem
consciente de que aquilo tudo pertencia "ao outro mundo". Por isso, não
ousou contar os fatos para as sobrinhas, suas tutoras, temendo ser internada
como louca.
Quando já não suportava mais o terror em que se transformara
sua vida, solicitou ajuda a uma amiga que "entendia dessas coisas",
médium trabalhadora de uma casa espiritualista.
Para quem nasceu e cresceu sendo norteada pela religião
católica, embora vivendo de aparências e sem fé nenhuma, desdenhando sempre de
qualquer outro credo, a dor havia chegado como aprendizado. Por essa razão é
que o recado veio justamente por intermédio daquele médium sentado no toco de
um terreiro humilde para seus padrões de exigência, acostumada que estava aos
templos luxuosos. No lado material, aquela senhora comparava o congá simples,
iluminado apenas por algumas velas, com os altares pomposos iluminados por
castiçais banhados a ouro; as paredes toscas daquele local eram comparadas com
os vitrais das catedrais; e o alguidar de barro fumegando, com a defumação
usando sofisticados incensários, hoje infelizmente pouco usados nas igrejas. O
cheiro bom das ervas queimadas na brasa foi alertando seus sentidos; ela já não
enxergava somente o lado físico. No ambiente astral, sua vidência denunciava
que à sua frente estava Um pai velho arqueado, de cabelos encaracolados e brancos,
com uma bengala na mão, baforando um cachimbo tosco e cheiroso. No rosto,
carregava um sorriso aberto, mostrando com ele sua alma clara que invadia o
local como se disparasse raios luminosos. O quadro era alentador para aquele
espírito que havia muito ansiava por um momento de
paz. Foi assim que se entregou a ouvir as sábias palavras do
preto velho:
- Zin fia, zi deve di tá sem jeito pra fazê o faladô com
nego véio.
Ele havia falado daquela forma justamente para atiçar sua
atenção.
- Eh... eh... Não se avexe, filha, Pai Antônio, quando quer,
sabe falar com destreza também. Pode ficar à vontade, o que a filha quer deste
pai velho?
- Eu tenho medo de estar louca. Vejo coisas...
Enquanto a senhora contava sua história atual, Pai Antônio,
espírito adestrado na magia e conhecedor do psiquismo humano, tendo estagiado
por longo período em escolas da Grande Fraternidade Branca, captava na tela
holográfica daquele ser a realidade não percebida pelos encarnados. Não haveria
na Terra medicamento que curasse a raiva, a arrogância e o descaso com as leis
divinas, bem como não conhecia na ciência física remendo capaz de consertar os
rombos efetuados na tela atômica pelas explosões desses sentimentos, bem como
pelo mau uso das energias. Nem no mundo astral não conhecia nenhum paliativo para
curar sua dor, colheita de ações pretéritas. Só havia alguém capaz de curá-la:
ela mesma. Continuando, Pai Antônio falou:
- A dor é uma reação das agressões que efetuamos em nosso
espírito. Antes de recebê-la, somos alertados de várias maneiras, e ela só
chega quando se esgotam os outros instrumentos. Vem como alerta, nunca como
castigo, por isso é preciso entender seu recado. A revolta e a nãoaceitação de
nossas falhas nos deixam fragilizados, e, com isso, intensificamos sua estada
em nosso corpo carnal.
Agora brotava nela a lembrança dos momentos de extrema revolta
pela dor na perna e pela limitação e vergonha que a bengala lhe imprimia.
Lembrava das inúmeras vezes que, com muita raiva, havia dito que "trocaria
aquela dor por qualquer coisa".
- Os pensamentos e as palavras são sons gravados no Universo
e, dependendo da energia que carregam, afinam-se com os iguais que os ouvem,
concretizando assim nossos desejos mais inconscientes, mesmo e inclusive os de
auto-flagelo...
Do livro: “A missão Da
Umbanda” Ramatís/Norberto Peixoto – Editora do Conhcecimento.
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