Sabedoria Ramatis

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domingo, 18 de novembro de 2012

Discriminação – II parte







Não se tratava de acaso, pois ela fora adestrada pela vida para realizar partos caseiros; muitos deles, antes da hora. Sabia como agir e salvou a criança, mas, sentindo que a mãe ofegava, ligou para o hospital pedindo socorro. Quando o marido chegou, assustou-se ao ver a prostituta dentro de sua casa, com Um bebê no colo. Os fatos foram relatados, e, correndo para o hospital, deparou-se com a esposa em estado gravíssimo, tendo desencarnado depois de poucas horas.
Enlouquecido, passou a culpar o parto mal-feito, mesmo diante da afirmação médica de que a esposa havia sofrido uma parada cardíaca por problemas de pressão alta não tratados durante a gravidez. O homem saiu do hospital disposto a achar um culpado. Enfurecido, quando entrou no quarto para expulsar a prostituta, assustou-se ao ver que ao seu lado estava uma preta velha sorridente. Esfregou os olhos e, olhando novamente, viu a mulher entregando-lhe a criança e saindo. Que seria dele?
Os vizinhos movimentaram-se nos primeiros dias, para ajudar a família, mas depois de um mês cada um voltou a cuidar de sua vida. Na gira seguinte, de preto velho, o cambono-chefe ajoelhava-se chorando diante de Vovó Benta, com uma criança nos braços. O que deveria fazer?
- Zi fio, por que tanta tristeza? Esta criança é uma bênção!
- Mas não tem mãe! - exclamava ele choroso.
- Não tem mãe, mas tem avó.
- Não, minha mãe, as duas avós, tanto a materna quanto a paterna, também já desencarnaram.
- Zi fio deve aguardar. Aquela que é a avó do "curumim" está chegando.
-O cambono estremeceu ao ver "aquela mulher"novamente, justamente ali.
- Avó de meu filho?
- O camboninho esquece que foi ela quem o salvou? Se serviu de mãe, poderá servir de
avó. Tem idade e experiência para tanto.
- Mas não tem moral!
- Zi fio, essa moral de que fala é um chapéu vistoso que dá imponência quando convém e que serve para esconder a cara quando a vergonha chega. Larga de tanto orgulho e contrata essa filha que tanto precisa de um trabalho para cuidar do filho que ela mesmo fez vir ao mundo.
Naquela noite, durante o sono, o cambono foi levado a outras paragens do mundo astral.
Dos quadros que presenciou, foi trazida à sua mente física, pela manhã, uma forte vontade, senão necessidade, de chamar "aquela mulher" para ser babá de seu filho. E assim o fez.
Ao pedir seus documentos para o devido registro, surpreendeu-se com seu verdadeiro nome, pois a conhecia por Madame Zulu, seu nome de guerra.
Aos poucos, foi cultivando simpatia pela mulher, que demonstrava muito carinho pela criança e muito esmero nos trabalhos domésticos. Um dia, resolveu pedir que lhe contasse sua vida, pois estava curioso para saber o que leva uma mulher a se prostituir.
Ela passou então a lhe contar que havia conhecido um rapaz rico que a engravidara, quando ainda era muito jovem. Por impedimento das famílias, não puderam ficar juntos. Durante toda a gravidez fora obrigada a se esconder, e, quando o filho nasceu, sumiram com ele. Sua dor havia sido tão grande que saiu pelo mundo à procura do bebê, sem nunca ter logrado êxito, até que, desanimada e desacreditada, jogou-se naquela casa e lá passou a viver de prazeres ilusórios. Falou de suas decepções, de sua tristeza e da saudade que sentia do filho que mal conhecera.
O coração daquele homem agora disparava, porque algo muito forte gritava dentro dele.
Perguntou por datas, nomes, locais; não havia mais dúvidas: era ela. "Aquela mulher" era sua mãe. Entre soluços, jogou-se aos seus pés, contando sua história de abandono e carência materna no orfanato. Naquela noite, lá no terreiro, um cambono e uma ex-prostituta, reconhecidamente mãe e filho, ajoelhados aos pés da preta velha, choravam emocionados, apresentando, respectivamente, o filho e o neto para que fosse abençoado.
- Camboninho entende agora porque a preta velha ficava esperando até altas horas para que a filha chegasse no terreiro?
Entende porque se diz que "Deus escreve certo por linhas tortas"? Esse pequeno ser que desfruta agora de vosso amor tem uma história também, mas, seja ela qual for, prometam amparálo e amá-lo, tanto quanto forem capazes vossos corações, para que a justiça se cumpra. Talvez um dia venham a descobrir que, em vida passada, o cambono e sua mãe haviam sido pais inconseqüentes daquele ser que ali renascia e que, por isso, havia se perdido.
Tudo o que mais abominamos faz parte de nós. A vida sempre nos coloca diante de espelhos, os quais, independentemente 'das máscaras que usarmos, vão sempre refletir nossa verdadeira imagem.

Preta velha já foi, já foi para Aruanda.

Vovó Benta.

Do livro: “A Missão Da Umbanda” – Ramatís/Norberto Peixoto

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