Não se tratava de acaso, pois ela fora adestrada pela vida
para realizar partos caseiros; muitos deles, antes da hora. Sabia como agir e
salvou a criança, mas, sentindo que a mãe ofegava, ligou para o hospital
pedindo socorro. Quando o marido chegou, assustou-se ao ver a prostituta dentro
de sua casa, com Um bebê no colo. Os fatos foram relatados, e, correndo para o
hospital, deparou-se com a esposa em estado gravíssimo, tendo desencarnado
depois de poucas horas.
Enlouquecido, passou a culpar o parto mal-feito, mesmo diante
da afirmação médica de que a esposa havia sofrido uma parada cardíaca por
problemas de pressão alta não tratados durante a gravidez. O homem saiu do hospital disposto a achar um culpado.
Enfurecido, quando entrou no quarto para expulsar a prostituta, assustou-se ao
ver que ao seu lado estava uma preta velha sorridente. Esfregou os olhos e,
olhando novamente, viu a mulher entregando-lhe a criança e saindo. Que seria
dele?
Os vizinhos movimentaram-se nos primeiros dias, para ajudar
a família, mas depois de um mês cada um voltou a cuidar de sua vida. Na gira
seguinte, de preto velho, o cambono-chefe ajoelhava-se chorando diante de Vovó
Benta, com uma criança nos braços. O que deveria fazer?
- Zi fio, por que tanta tristeza? Esta criança é uma bênção!
- Mas não tem mãe! - exclamava ele choroso.
- Não tem mãe, mas tem avó.
- Não, minha mãe, as duas avós, tanto a materna quanto a
paterna, também já desencarnaram.
- Zi fio deve aguardar. Aquela que é a avó do
"curumim" está chegando.
-O cambono estremeceu ao ver "aquela
mulher"novamente, justamente ali.
- Avó de meu filho?
- O camboninho esquece que foi ela quem o salvou? Se serviu
de mãe, poderá servir de
avó. Tem idade e experiência para tanto.
- Mas não tem moral!
- Zi fio, essa moral de que fala é um chapéu vistoso que dá
imponência quando convém e que serve para esconder a cara quando a vergonha
chega. Larga de tanto orgulho e contrata essa filha que tanto precisa de um
trabalho para cuidar do filho que ela mesmo fez vir ao mundo.
Naquela noite, durante o sono, o cambono foi levado a outras
paragens do mundo astral.
Dos quadros que presenciou, foi trazida à sua mente física,
pela manhã, uma forte vontade, senão necessidade, de chamar "aquela
mulher" para ser babá de seu filho. E assim o fez.
Ao pedir seus documentos para o devido registro, surpreendeu-se
com seu verdadeiro nome, pois a conhecia por Madame Zulu, seu nome de guerra.
Aos poucos, foi cultivando simpatia pela mulher, que
demonstrava muito carinho pela criança e muito esmero nos trabalhos domésticos.
Um dia, resolveu pedir que lhe contasse sua vida, pois estava curioso para
saber o que leva uma mulher a se prostituir.
Ela passou então a lhe contar que havia conhecido um rapaz
rico que a engravidara, quando ainda era muito jovem. Por impedimento das
famílias, não puderam ficar juntos. Durante toda a gravidez fora obrigada a se
esconder, e, quando o filho nasceu, sumiram com ele. Sua dor havia sido tão
grande que saiu pelo mundo à procura do bebê, sem nunca ter logrado êxito, até
que, desanimada e desacreditada, jogou-se naquela casa e lá passou a viver de
prazeres ilusórios. Falou de suas decepções, de sua tristeza e da saudade que
sentia do filho que mal conhecera.
O coração daquele homem agora disparava, porque algo muito
forte gritava dentro dele.
Perguntou por datas, nomes, locais; não havia mais dúvidas:
era ela. "Aquela mulher" era sua mãe. Entre soluços, jogou-se aos seus
pés, contando sua história de abandono e carência materna no orfanato. Naquela noite, lá no terreiro, um cambono e uma ex-prostituta,
reconhecidamente mãe e filho, ajoelhados aos pés da preta velha, choravam
emocionados, apresentando, respectivamente, o filho e o neto para que fosse
abençoado.
- Camboninho entende agora porque a preta velha ficava esperando
até altas horas para que a filha chegasse no terreiro?
Entende porque se diz que "Deus escreve certo por linhas
tortas"? Esse pequeno ser que desfruta agora de vosso amor tem uma
história também, mas, seja ela qual for, prometam amparálo e amá-lo, tanto
quanto forem capazes vossos corações, para que a justiça se cumpra. Talvez um dia venham a descobrir que, em vida passada, o
cambono e sua mãe haviam sido pais inconseqüentes daquele ser que ali renascia
e que, por isso, havia se perdido.
Tudo o que mais abominamos faz parte de nós. A vida sempre
nos coloca diante de espelhos, os quais, independentemente 'das máscaras que
usarmos, vão sempre refletir nossa verdadeira imagem.
Preta velha já foi, já foi para Aruanda.
Vovó Benta.
Do livro: “A Missão
Da Umbanda” – Ramatís/Norberto Peixoto
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