Observações do médium Norberto Peixoto - I parte:
Existe um preto velho, de nome Pai Quirino, que nos assiste regularmente e que raramente se manifesta através da mecânica de incorporação nos terreiros, e por esse motivo é pouco conhecido da maioria dos umbandistas. Contudo, trabalha arduamente no Plano Astral, sob a égide da Umbanda, como auxiliar extrafísico de muitos médiuns, sendo "especialista" em incursões nas organizações das regiões umbralinas, onde atua como um tipo de guia "turístico"para grupos de medianeiros em visitação de estudo.
Também realiza certos "desembaraços" em alguns trabalhos desobsessivos que requerem prévia conversação no astral com os líderes trevosos. Explica-nos Pai Quirino: ''A muitas coletividades de espíritos maldosos e seus magos negros não é dada autorização às falanges benfeitoras da Umbanda para reter ou efetuarem os desmanches delas, pois ainda não é justa e de direito tal ação, sendo que um dos motivos para tanto é que devemos aguardar a mudança moral dos encarnados que as mantêm "vivas" no Além. Em alguns atendimentos específicos a consulentes nos terreiros, se requer uma prévia comunicação aos magos negros, o que não quer dizer acordo ou concessões que desrespeitem o livre-arbítrio, o merecimento ou a justiça por que a Umbanda se orienta. Cito os resgates que são feitos nas zonas abissais que eles controlam: os "diálogos" prévios facilitam em muito o dispêndio desnecessário de energia, já que às vezes, se tratando do livramento de um pequeno número de sofredores torturados, mostramos a esses chefes das Sombras o merecimento dos consulentes que obtiveram autorização dos maiorais do Astral Superior para que haja uma intercessão em socorro desses espíritos presos, ou até de seus obsessores de aluguel. Como eles sabem que nesses casos a resistência resulta inócua, permitem sem maiores embates as incursões médicas dos agrupamentos do Oriente e dos caboclos curadores de Oxóssi, situação que dispensa as trabalhosas demandas que movimentariam as imensas falanges e legiões de espíritos que atuam nas vibrações dos Orixás Ogum e Xangô." Na sua penúltima estada terrena, Pai Quirino, tendo sido um evangelizador franciscano atuante nos pobres vilarejos cariocas na época efervescente após o fim da escravidão, muito auxiliou os negros doentes e maltrapilhos que deram início ao que resultou no cinturão de favelas que cercam a capital carioca. Tendo fortes vínculos com esse bloco cármico de espíritos desde épocas que remontam à escravidão do Império Romano, quando foi implacável e culto senador escravocrata, em sua última encarnação, no século passado, veio como negro na cidade do Rio de Janeiro. Tendo nascido e crescido no berço do samba, da mais pura boemia e malandragem carioca dos arcos da velha Lapa, desde criança mostrou-se um pacificador, incapaz de esmagar uma mosca, e de grande inteligência. Quando adulto, foi conhecido e perspicaz compositor, escrevendo várias marchas carnavalescas. Através de um padre da comunidade que realizava missas regulares na favela em que morava, teve contato com alto dirigente da Secretaria de Segurança do Estado do Rio, tendo sido recrutado para ser "olheiro" - informante do serviço secreto do comando policial que combatia o tráfico e a prostituição. Entre composições e saraus musicais na Escola de Samba do morro, completamente inserido na comunidade, ajudou a desarticular várias quadrilhas de traficantes e cáftens em todo o ex-Estado da Guanabara, comandadas por antigos generais e senadores romanos, encarnados numa minoria étnica e social excluída do progresso no Brasil contemporâneo. Por sua personalidade discreta e apaziguadora, seu arguto senso de observação e carisma inconfundível, nunca foi descoberto, tendo envelhecido calmamente como compositor musical famoso, e secretamente se aposentado como agente de informação da polícia carioca. Nunca se casou, mas foi um inveterado namorador e pai amoroso com todos os seus vários filhos, não deixando nenhum desassistido.
Esse preto velho, Pai Quirino, apresenta-se a nossa clarividência vestido todo de branco, tendo entre 60-70 anos, com um brilhante colete amarelo-dourado sobre uma camisa de alva seda reluzente. Muito sorridente, simpaticíssimo, de aguda inteligência, bem-falante, versátil comunicador, aproximadamente 1,70 m. de altura, magro, de barba branca bem aparada e calvo. Quando se aproxima de nós, caminha num gingado matreiro, como se fosse um porta-bandeira à frente de uma escola de samba, e nos fala ao ouvido pausadamente: "Vamos, vamos, irmãozinho velho, sai do corpo, te mexe, Pai Quirino chegou para te levar a passear nos morros da verdadeira vida", e dá uma sonora e gostosa gargalhada.
Na noite passada nos vimos conduzido por esse arguto Auxiliar a um sítio do Umbral muito semelhante, em sua geografia astralina, às montanhas da Serra do Mar. Era um vale de um verde escuro, abafado, parecendo floresta tropical de um odor sulfuroso que de início nos fez arder um pouco o nariz, mas não a ponto de nos transtornar. Mostrou-nos várias construções para os visitantes encarnados desdobrados durante o sono físico se deleitarem nos prazeres sensórios. Entre salões de jogos, refinados bares musicais com todo tipo de alcoólicos e entorpecentes, restaurantes com as mais finas iguarias que podemos conceber, boates e ruas de diversificado meretrício, surpreenderam-nos as majestosas construções hoteleiras desta estação de prazer umbralino.
O amigo, imediatamente "lendo" nossos pensamentos, levou-nos para conversar com um "gerente" de um desses hotéis. Com muita simpatia, fomos informados que de momento não havia quartos disponíveis, e que para os cômodos mais simples havia uma fila de espera de uma hora aproximadamente. Perguntei o motivo de tanta procura e o "gerente" nos informou que aquele horário da noite era o pico do movimento nessa cidadela, colônia de todos os prazeres carnais para satisfazer os encarnados. Se aguardássemos um pouco, mais próximo do amanhecer, muitos visitantes já teriam despertado no corpo físico, diminuindo a ocupação dos quartos. Diante da minha falta de entendimento do porquê dos hotéis e quartos, o gerente, muito amistoso pelo fato de estarmos acompanhados de Pai Quirino, nos informou, rindo maliciosamente, que os visitantes se hospedavam, iam jogar e beber nos cassinos e boates, depois voltavam acompanhados de belas e sensuais mulheres para terminarem o turismo noturno nas majestosas dependências dos confortáveis hotéis...
Do livro: “Jardim Dos Orixás” –
Ramatís/Norberto Peixoto – Editora do Conhecimento
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