PERGUNTA: Sendo o
transe ritualístico visto como demonstração de possessão demoníaca, as
adivinhações e oferendas votivas taxadas de barbarismo primitivo e bruxaria, desde
o Brasil colonial até os dias de hoje, e diante de uma sociedade que cobra uma
postura ecológica das religiões, não "permitindo" sacrifícios
animais, como as tradições africanistas, com todas essas rejeições, saíram das
lembranças dos negros escravos e se perpetuaram como práticas vigentes nas
coletividades urbanas?
RAMATÍS: - Os padres
tiveram interesses ambíguos na catequização dos negros: se por um lado queriam
disciplinar as crenças religiosas de acordo com os sacramentos católicos, por outro
faziam "vista grossa" às suas danças e cânticos realizados aos
domingos e feriados nas fazendas, em frente às senzalas, pois entendiam
tratar-se de mero folclore.
Os clérigos foram engambelados pelos escravos que
diziam realizar o "batuque" para os santos católicos, usando porém a
língua natal. Agindo dessa forma, mostravam os congás (altares) improvisados
num canto da entrada da senzala, junto com as imagens de Jesus, Santo Antônio,
São Jerônimo, São Sebastião e São Jorge. Mas em segredo, arriavam as oferendas
votivas em local escondido, no chão de seus alojamentos, como firmeza
vibratória aos "deuses" cultuados. Longe dos olhos dos brancos católicos, eles
"incorporavam" suas divindades, manipulavam objetos, como pedras,
ervas e essências, e ofertavam o sangue de animais sacrificados para que fossem
vitalizados e pudessem entrar em contato com os planos ocultos, a fim de prever
o futuro, curar doenças, melhorar a sorte e transformar os destinos das pessoas.
Contudo, se assim fossem vistos pela comunidade eclesiástica, seriam proibidos
e acusados de bruxaria, e poderiam perder a vida. Na verdade o ponto central da questão é que na época colonial
escravocrata, o catolicismo também possuía um apelo mágico. Era preciso que
suas lideranças combatessem a crença primitiva em espíritos diabólicos que
podiam se apoderar do corpo dos fiéis, pedir sacrifícios animais sanguinolentos
e operar curas, distinguindo-a da fé nos santos, nas almas benditas e
milagreiras.
Na opinião dos clérigos, urgia separar o simbolismo
ritualístico da ingestão da hóstia, bem como os milagres propiciados pelo corpo
e sangue derramado do Cristo na cruz, dos atos concretos, arcaicos e selvagens
de negros ignorantes sem alma, mesmo que a hipocrisia dos homens, em seu imediatismo
diante das leis cósmicas, ainda hoje não separe uma coisa da outra, eivados que
estão de intenções de favorecimento, seja diante do mundo dos Céus católico ou
da morada africanista dos orixás.
Com a alforria dos escravos, essas práticas mágicas foram
popularizadas e se espalharam pelas periferias das cidades que se formavam.
Os ritos iniciáticos de divinização dos antigos clãs tribais
foram terrivelmente distorcidos: os ex-escravos começaram a cobrar pela magia
como forma de sobreviver na nova condição de "libertos",
desrespeitando o livre-arbítrio dos cidadãos a quem se destinavam suas
oferendas votivas pagas, agravando negativamente o merecimento de toda a
coletividade, branca e negra, apegada aos fetichismos mágicos de
"resultado" imediato.
(Origem: “A Missão Da Umbanda” Ramatís/Norberto Peixoto –
Editora do Conhecimento)
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