PERGUNTA: Como as práticas mágicas populares
que se formaram com o sincretismo, repercutiram nas oferendas desses ritos e
cultos distorcidos erroneamente confundidos
como de umbanda pela sociedade, que exige cada vez mais uma postura ecológica, de
preservação dos animais, da natureza e do meio ambiente urbano?
RAMATÍS: - A
transmissão oral de conhecimentos foi enfraquecida de geração a geração,
fazendo a comunidade afro-brasileira perder os referenciais históricos de sua
religiosidade durante o processo de inserção social, após a alforria dos
escravos. Ao longo do tempo, e de forma crescente, muitas das oferendas e
iniciações originais das religiões de matriz africana foram se transformando em
despachos e rituais descaracterizados, grosseiramente distorcidos, [5] tudo
sendo entendido, popularmente, como ritos da umbanda, em especial por sua
abrangência sincrética com outras religiões.
Todo e qualquer sacrifício animal ritualístico com derramamento
de sangue contribui para o fortalecimento das baixas zonas umbralinas que
tangenciam o orbe terrícola. Por outro lado, compreender a origem de certas
práticas, inserindo-as num contexto histórico, sem julgamentos belicosos, irá
vos conduzir ao raciocínio, à melhor compreensão dos descalabros que acontecem
na atualidade, em nome de uma falsa umbanda e dos pretensos "exus".
Discernireis o que ocorreu nas metrópoles ao longo do tempo e as mudanças
ambíguas que estruturaram as práticas mágicas populares, com seus ritos e
cultos sincréticos distorcidos. Uma transformação enganosa e significativa
disso ocorreu no padê, [6] rito totalmente distorcido ao sair do interior das
senzalas: o sacrifício deixa de ser interpretado como um intermediário entre o
sagrado e o profano, entre os orixás e os filhos de fé, como o era
originalmente nos ritos primários das nações africanas antigas e seus clãs
tribais. Além de se cultuar erradamente "exu", porque ele seria cruel,
ciumento, podendo de forma personalista encerrar a cerimônia litúrgica ou
interromper a dança dos "orixás"manifestados, a demonização se
acentua no que se refere ao lado mágico da divindade, transformando o padê original
em ebó, oferenda adaptada: como o resto do padê deve ser jogado fora, na rua,
os sacerdotes venais supuseram que um pouco do axé (força mística) ali
continuava a palpitar no galo sacrificado. Logo, essas lideranças religiosas
mal-intencionadas transformaram intensivamente o ebó oferenda religiosa
divinatória de "exu" em ebó oferenda mágica de obsessores pagos. Daí
em diante, supostamente, as forças maléficas de "exu" estão no animal
sacrificado que é colocado na encruzilhada da rua por onde o alvo ou desafeto a
ser destruído passará. Isso acontecendo, trará infelicidade e desgraça ao
indivíduo visado. Este é o cerne da questão, o pano de fundo do triste e deprimente
cenário que verificais diuturnamente em vossas vias públicas, especialmente ao acordar
nas manhãs de sábado, poluídas com galos, cabritos, cães e sapos sacrificados,
expostos à putrefação diante de cidadãos sonolentos e apressados rumo ao
trabalho, que descuidosamente tropeçam em garrafas de cachaça, velas pretas e
vermelhas, vísceras, penas, pêlos e farofa abundantes.
[5] "O sangue é a essência da
vida. Assim como ele gera o axé, pode prejudicá-lo; se houver excesso de
sacrifícios, isto provocará saturação. Quando fazemos uma oferenda ou realizamos
trabalhos, eles permanecem por um período necessário na Casa. Após esse período, eles são despachados em locais apropriados. A
demora nesses despachos, gera uma atração negativa, já que eles devem ser
consumidos pelo 'povo da rua' (espíritos menos evoluídos)". Trecho extraído de Os Orixás e o Segredo da Vida - Lógica, Mitologia
e Ecologia, de Mario César Barcellos, 4ª edição, Editora Pallas, pp. 134-135,
ref. 13-26,2005.
[6] Padê: rito propiciatório que ocorre antes do início das
cerimônias públicas ou privadas das religiões afro-brasileiras e que consiste
na oferenda a "exu" de animais votivos sacrificados, alimentos e
bebidas, para que este não perturbe a festa e faça as vezes de mensageiro na obtenção da boa vontade dos "orixás" que
serão chamados a descer; popularmente conhecido como despacho.
(Origem: “A Missão Da
Umbanda” Ramatís/Norberto Peixoto – Editora do Conhecimento)
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