PERGUNTA: Supomos que, se Jesus exercesse qualquer função prosaica no mundo, ele não poderia dedicar-se tão eficientemente à sua doutrina e às peregrinações. Não é verdade?
RAMATÍS: O povo judeu considerava os seus rabis como uma instituição
tradicional e mesmo necessária para a solução dos milhares de problemas e
dúvidas que surgiam a cada passo entre os discutidores e aprendizes. Eles
atendiam as ansiedades espirituais em público, semeando conceitos benfeitores,
justificando compromissos, regras e submissões religiosas. Por isso, eram benquistos
como os preceitos vivos da religião mosaica e não pesavam na economia do povo judeu,
que os ajudava e fazia questão de mantê-los em atividade! No caso de Jesus o
seu ministério despertava protestos, ironias, críticas e irascibilidades em
certas classes, porque os seus ensinamentos não se ajustavam à tarefa comum do
rabinato das estradas, pois transcendiam corajosamente a tradição religiosa, sacudiam
a canga bovina do povo e despertavam dúvidas pelo esclarecimento dos dogmas, das
especulações e fantasias do sacerdócio astucioso! O rabi Jesus não seguia
Moisés na sua linhagem doutrinária; seus conceitos eram convites excêntricos
que quebrantavam o espírito viril e indomável do judeu na sua fé, obstinação e ódio contra o romano!
A Galiléia era uma região onde a natureza pródiga oferecia a todos
os habitantes o máximo de formosura, encanto e também de sustento fácil! Os
golfos e os lagos da Palestina eram extremamente piscosos, sobretudo o lago
Tiberíades. O povo vivia principalmente de pesca, e do peixe faziam toda sorte
de pratos alimentícios; além de guardarem fartura de farinha e conservas para o
inverno, que não era tão rigoroso. Havia frutos em abundância e com facilidade
se desenvolvia a apicultura, além da indústria do mel de figo; pêssegos,
cerejas, laranjas, per as e o figo eram coisas comuns nos lares hebraicos. O
pão de centeio, de trigo ou de mel nutria as dispensas dos mais pobres; e o
mulheril perseverante e laborioso, produzia com facilidade outros meios de
alimentação pródiga e nutritiva. Não se verificava essa exigência angustiosa
das famílias pobres das cidades modernas, em que a moeda, ganha com imensa
dificuldade mal consegue suprir uma refeição diária. Entre os galileus, a hospitalidade
recíproca era um dever proverbial e sagrado; havia um constante fluxo de
visitação entre o povo; e quando, porventura, alguém sentia-se em dificuldade
recorria aos mais bem providas, que passavam a sustentá-lo até melhores dias e
sem quaisquer exigências onerosas. Assim, o beneficiado ficava na obrigação de atender,
no futuro, outro semelhante necessitado, compensando os favores recebidos.
Os presentes, as trocas e os empréstimos eram acontecimentos comuns,
pois naquela gente o sentimento fraterno e a preocupação de servir o próximo
estavam na índole quase geral.
Deste modo, Jesus não fazia falta junto à família, nem sua inatividade
era motivo de prejuízo ou desdouro para a comunidade de Nazaré. Também não
arregimentava acólitos desviando-os de seus lares para seguirem-no estrada
afora, porque estes acompanhavam-no depois de guarnecerem suas famílias de
todas as necessidades; e seu retorno era breve! Na condição de rabi itinerante
Jesus atendia a uma das tarefas mais imprescindíveis daquela gente
correspondente às ansiedades espirituais de todos afeitos a uma religiosidade
fanática. Tanto o Mestre como os seus seguidores contentavam-se com as migalhas
que sobejavam das mesas e vestiam-se com simplicidade, aceitando as sobras dos
lares mais fartos sem pesar na economia local. Eram frugais na alimentação,
como cultores de uma virtude própria do "reino» de Deus", completamente despidos de quaisquer outros objetivos que não fossem
sua tarefa messiânica. Prevendo-se os dias em que a caravana do Mestre Jesus se
manteria em atividade nas cidades ou lugares adjacentes, quase todos os
moradores, num esforço coletivo, providenciavam os meios para que os viajantes
não viessem a sofrer qualquer necessidade, no tocante aos alimentos e
hospedagem.
Hoje também se repete essa disposição emotiva e espiritual entre os espíritas
que se sentem felizes e eufóricos em proporcionar bom acolhimento aos
confrades, oradores e doutrinadores que passam por suas cidades, a serviço do
Espiritismo. Quando isso acontecia, então recrudescia-se a pesca, o cozimento
de pães, a moagem de trigo, a preparação de conservas, a secagem de peixe, a
fabricação de geléias, biscoitos, mel de figo; aumentava-se a feitura da
farinha de centeio e de trigo, a destilação de xaropes e a produção de sucos de
laranja, pêssego, maçã e o dificílimo caldo de cerejas. Era uma festa emotiva
para aquele povo despido de acontecimentos insólitos. As mulheres trabalhavam
alegremente para cooperar no êxito e na divulgação da Boa Nova trazida pelo
profeta de Nazaré. Eram confeccionados delicados farineis para a jornada mais
longa do rabi e dos seus fiéis; um ou mais burros seguiam à retaguarda dos
peregrinos conduzindo as provisões necessárias para o sustento de todos durante
as pregações. A ternura e a alegria confraternizavam todos e os deixavam
sumamente felizes pela oportunidade de participarem mais ativamente no advento
da doutrina cristã!
Em face do espírito de hospedagem e solidariedade que predominava
entre a maioria dos judeus da época, Jesus, seus discípulos e seguidores
conduziam reservas abundantes e terminavam por distribuir grande parte de suas
provisões e rações aos deserdados que encontravam durante sua peregrinação,
comprovando a feição terna e gentil da caridade e do amor ao próximo, ainda patente
no seio do Cristianismo. Os leprosos atirados aos grotões e às furnas que
marginavam as estradas eram constantemente visitados pelos pregadores da nova
crença, recebendo deles não somente alimentos e vestes necessários para o corpo
físico, como ainda a palavra amiga e confortadora do amoroso rabi Quando todos
retornavam felizes e eufóricos para seus lares, com a alma satisfeita pela
alimentação espiritual do amor que é o traço
essencial da contextura do anjo, depois de suas incursões pela Judéia
divulgando o reino de Deus a todas as gentes, então eram recebidos amorosamente
pelos seus próprios familiares com festas e demonstrações afetivas do mais puro
sentimento! Os que ficavam à retaguarda cuidando das coisas prosaicas da vida
em comum, ainda se davam por felizes ante o ensejo de participarem humildemente
da obra do Mestre Jesus!
É por isso que nos relatos evangélicos é possível identificarmos a
profunda afabilidade que sempre existia e unia os apóstolos e suas famílias,
cada vez mais expansivas pela adesão de outros membros e parentes à missão de
Jesus, o qual era o primeiro a não permitir sacrifícios alheios para ele
transmitir a palavra do Senhor, pois em sua natureza profundamente honesta, mística
e generosa, sentia-se o único responsável pelos óbices e sacrifícios que
porventura adviessem na pregação do Cristianismo. Ele administrava tão sabiamente
sua tarefa messiânica, que a história religiosa nos fala da ordem, disciplina e
obediência que reinavam entre ele e seus discípulos propondo soluções e
sugerindo providências que não exorbitassem do bom senso.
(Do Livro: “O Sublime
Peregrino” Ramatís/Hercílio Maes – Editora do Conhecimento)
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