Negra esbelta, de sorriso sorrateiro e conquistador, de requebrado
insinuante, andava pelo casarão deixando no ar o cheiro do manjericão.
Cantarolando, sempre faceira, atiçava o desejo tanto dos negros quanto dos
brancos. Não passou despercebida do olhar do patrão, sinhozinho cujos dotes de
beleza também assanhavam aquela negrinha. E assim, depois de uma primeira vez, foi
inevitável que todas as noites ele a procurasse na senzala. Não era só um
desejo. Além do corpo que ardia ao vê-la, seu coração estava emaranhado por um
sentimento que ele insistia em negar.
Foram anos de encontros furtivos, os quais a sinhazinha
fingia não ver. E foram também muitos abortos, tendo ela desencarnado quando da
realização de um deles.
Haveria de renascer, muito pouco tempo depois, no mesmo
lugar. Negrinha doente, que sobreviveu à morte da mãe no parto. Muito cedo
aprendeu a benzer, e ali estava uma negra curandeira. Parteira requisitada, não
tinha hora para atender, até o dia em que, para salvar uma escrava das mãos do
feitor, levou uma paulada nas costas e ficou aleijada. Andou o resto da vida agachada,
com fortes dores, mas nem por isso deixava de salvar vidas. Desencarnou cega e
arqueada, porém feliz. Mas havia muito a ressarcir na contabilidade do Céu. Por
isso, juntou-se às bandas de Aruanda e, como preta velha, desceu à crosta para
ajudar a curar e aconselhar as pessoas. Precisou de um aparelho cujo
comprometimento fosse adequado às suas energias, para que juntos pudessem aprender que é curando as feridas alheias que as nossas se
cicatrizam.
Com um galho verde na mão e muito amor no coração, V ó Benta
visita seu aparelhinho, baixando-lhe as costas e transferindo um pouco da dor
que sentiu na carne para que este saiba que a humildade é necessária. Seu alvo
avental, ao final do trabalho, está sempre cheio de nós, que ela faz para desfazer aqueles que os filhos de fé levam até ela.
No final da noite, junta-se aos irmãos e volta para Aruanda, até que a próxima
lua a embale novamente cantando: .
Vem chegando Vovó Benta
Benzedeira de Aruanda
Com seu galhinho de arruda
Vem benzer filho de umbanda ...
Do livro: “A Missão
Da Umbanda” Ramatís/Norberto Peixoto – Editora do Conhecimento.
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