PERGUNTA: Podeis dar-nos algum exemplo mais objetivo de
que a criatura humana é sempre beneficiada, mesmo quando submetida à mais
terrível prova cármica?
RAMATIS: Suponde, para
exemplo, um espírito encarnado num corpo físico com paralisia total dos seus
membros inferiores. Isso para ele é um
mal porque, devido ao efeito cármico que lhe tolhe os movimentos das pernas,
deixa de participar a contento do curso da vida transitória do mundo material.
No entanto, em tal caso, a ação restritiva da Lei não tem por objetivo fazê-lo
expiar de modo doloroso os seus erros do pretérito, mas apenas desenvolver-lhe
um melhor senso diretivo dos seus passos futuros. Se o impede de participar ativamente
das movimentações comuns da vida física e o manieta pela paralisia, assim o faz
para obrigá-lo a uma existência mais introspectiva e ao constante esforço
reflexivo que também lhe apura o psiquismo.
A paralisia ou deformidade que o junge a uma cadeira de
rodas ou leito de sofrimento não só o obriga a uma vida mais psíquica, como o afasta
das paixões perigosas e das ilusões que vicejam nos caminhos do trânsito fácil
da matéria. O paralítico, então, pode melhor desenvolver os bens do espírito e
instruir-se mais facilmente, pois bem menores são as suas necessidades
materiais e também sobeja-lhe maior cota de tempo para compensar os prejuízos
do pretérito. O que pode parecer punição ou expiação espiritual, para as
criaturas ignorantes do sentido criador e da recuperação cármica da alma, nesse
caso não passa de retificação da onda da vida, que estava desarmonizada com a
consciência do ser.
Da mesma forma, quando se represa o curso dos rios, não se o
faz para castigá-los, mas apenas para que do acúmulo de suas águas resulte
maior força para a usina benfeitora. Assim, quando muitas vezes a Lei do Carma,
ajustando o efeito à causa correspondente, represa a liberdade do espírito e o
paralisa no ergástulo de carne retificador, não o faz com o fito de qualquer desforra
divina, mas apenas para corrigir o desvio psíquico perigoso e reconduzir a alma
novamente ao seu curso venturoso.
PERGUNTA: — Mas é
evidente que o sofrimento humano ainda é um acontecimento que muitas vezes abate
o espírito de tal modo que, provavelmente, não o compensa dos seus equívocos
passados e ainda pode torná-lo mais refratário à lição de retificação
espiritual! Que dizeis?
RAMATIS: A enfermidade física é apenas um efeito contensivo e
transitório, que tanto ajusta o energismo espiritual negligente no pretérito,
como também se torna o meio pelo qual o espírito expurga os venenos psíquicos que lhe impedem a diafanização do
perispírito. Como o homem é o produto do seu pensamento e, portanto, se converte
naquilo que pensa, também termina plastificando as linhas sadias e o vigor
energético para os seus corpos futuros, quando se habitua a só cultivar as
expressões de harmonia que fundamentam a intimidade angélica de toda criatura.
O poder mental, cujo domínio é tão apregoado pelos teósofos, iogues e
esoteristas, quando é exercido de modo positivo e sensato, caldeia sadiamente a
personalidade futura, porque é força ilimitada que atua no mundo oculto das
causas dinâmicas do espírito criador.
Daí verificar-se que, mesmo a criatura mais deserdada na
vida física, ainda pode servir-se de sua vontade e atuar na origem ou na essência
de sua vida imortal, usando de força mental positiva para desatar as algemas da
infelicidade, ou sobrepujar em espírito os próprios efeitos cármicos do seu
passado delituoso. Então é a própria lei cármida que passa a ser dirigida pelo
espírito em prova, e que inteligentemente procura ajustar-se ao curso exato e
evolutivo da vida espiritual, integrando-se ao ritmo natural de seu progresso;
ele abstém se de resistir ao impulso sábio que lhe vem do mundo oculto do espírito
e harmoniza-se paciente e confiante aos objetivos do Criador.
O vosso mundo apresenta muitíssimos exemplos de almas resignadas
e heróicas que, em lugar de se entregarem à rebeldia ou desalento irremediável,
têm superado os mais atrozes padecimentos e correções cármicas, quando outros
menos desfavorecidos deixam-se aniquilar sob o queixume insuportável e ainda
criam avultados melodramas ante os sofrimentos mais singelos. As criaturas confiantes
no sentido educativo da vida humana não só extraem as mais vigorosas energias
da própria dor, como ainda superam o seu sofrimento acerbo e produzem obras e
trabalhos notáveis. Richelieu dominava um reino, malgrado a sua atroz e
incurável furunculose; Dostoievski, apesar de epiléptico, escreveu as mais
profundas obras de introspecção humana; Chopin, um tísico, presenteou o mundo
com as mais sensíveis melodias; Maharshi, apesar do câncer do braço, com sua
bondade santificou até o local onde vivia, e Cervantes, um deserdado, ofertou
ao mundo a sátira genial do Don Quixote!
Inúmeras outras criaturas, sem braços, sem pernas,
paralíticas, cegas, deformadas ou epilépticas realizam tarefas tão gigantescas,
que servem de diretrizes morais e mensagens definitivas comprovando a vitória
do espírito sobre a matéria. Helena Kelier, surda, muda e cega, ainda encarnada
no vosso mundo, é um testemunho eloqüente de que o espírito, mesmo quando
soterrado na mais sombria masmorra de carne e privado dos seus principais sentidos
de relação com o mundo exterior, ainda consegue comprovar a sua imortalidade, a
sua glória e o poder criador! Em verdade, essas criaturas, embora cumpram os efeitos
cármicos dolorosos, gerados no passado, também mobilizam poderosos recursos
existentes no âmago de todo espírito e, em vez de se entregarem ao desespero,
fazem de suas enfermidades admiráveis poemas de heroísmo e superação espiritual.
Suas vidas então servem como um enérgico protesto contra aqueles que, embora
sadios de corpo, ainda vivem mergulhados no mais triste pessimismo destruidor, rebelando-se
irascivelmente contra os princípios superiores do espírito imortal!
Do livro: “Fisiologia
Da Alma” Ramatís/Hercílio Maes – Editora do Conhecimento.
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