PERGUNTA: Embora já tenhamos sido notificados de algumas distrações do menino Jesus,
gostaríamos de saber quais foram os brinquedos e os folguedos que ele mais
preferiu durante sua infância.
RAMATíS: O menino Jesus, como espírito de elevada estirpe sideral, aprendia com
extrema facilidade qualquer iniciativa do seu povo, enquanto era o mais exímio
oleiro da redondeza, conhecido entre as crianças do seu tempo. Destro no
fabricar animais e aves de barro, às vezes devotava-se com tal ânimo e perícia
criadora a essa arte infantil, que os produtos saídos de suas mãos arrancavam
exclamações de espanto e admiração dos próprios adultos! — Parecem
vivos! — diziam os mais entusiastas, tomados de profundo assombro. Sob seus
dedos ágeis e delicados, o barro amorfo despertava como se lhe fora dado um
sopro de vida! Jamais os
seus contemporâneos percebiam que ali se achava o anjo exilado na carne sublimando
as substâncias do mundo material em figuras de contornos poéticos e atraentes.
Os pequeninos
comparsas rodeavam Jesus, atentos e espantadiços da rapidez com que ele transformava
um punhado de barro argiloso na figura esbelta de uma ave ou animal, que só faltavam
falar num movimento impulsivo de vida! Depois, eles corriam céleres, para casa,
agitando em suas mãos as figuras confeccionadas por Jesus, que então ria,
feliz, como um príncipe dadivoso!
Naquela
época a escultura de barro era inferior, feita as pressas e de caráter
exclusivamente comercial, somente de enfeite nos lares mais pobres, porquanto
as obras de arte de natureza mais fina provinham do Egito, da índia e de Tiro,
a pedido de romanos e hebreus ricos. As mãos do menino Jesus davam um toque de
tal beleza e meiguice nos seus produtos esculturais, o que era fruto de sua
inspiração angélica ainda incompreensível, que os artesãos mais primorosos não temiam
de colocá-los a par das ourivesarias mais finas e de bom gosto. Durante o seu
trabalho de arte na argila, Jesus mostrava-se sério e compenetrado, os lábios
contraídos e um vinco de alta inspiração cruzava-lhe a fronte angélica até o
término do seu trabalho. Quando se dava por satisfeito e finalizava sua obra, a
sua fisionomia se desafogava e seu rosto abria-se numa expressão
da mais infantil alegria! No
entanto, depois desse labor, jamais ele se ligava à sua obra, nem se preocupava
com o seu valor ou posse; o que saía de suas mãos já não lhe pertencia e o dava
facilmente ao primeiro que o pedisse! Menino ainda, já revelava a contextura do
Mestre, que mais tarde recomendaria: "Não queirais entesourar para vós
tesouros na terra; onde a ferrugem e a traça os consome; e onde os ladrões os
desenterram, e roubam. Mas entesourai para vós tesouros no céu, onde não os consome
a ferrugem nem a traça, e onde os ladrões não os desenterram nem roubam. Porque
onde está o teu tesouro, aí está também o teu coração" (4). Mas ele
também se entregava às brincadeiras comuns da época, como o jogo de bolas de
pano e de barro,
que eram atiradas sobre obstáculos de madeira, derrubando-os; às travessuras
com cães, cabritos e cordeiros, ou à construção de diques e lagos artificiais,
cujas barcas de pesca ele as construía de gravetos e restos de madeira
sobejados da carpintaria de José; e os guarnecia de remos feitos de palitos de
cedro. As velas dos barquinhos, enfunadas, traíam a contribuição de Maria, com
retalhos de linho e algodão de suas costuras. As frotas de galeras romanas
então navegavam nas enseadas de água suja, para gáudio da gurizada sempre
atenta às iniciativas e surpresas do menino Jesus, cujo espírito enciclopédico
jamais encontrava dificuldades para sair se bem de suas empreitadas infantis.
Eram
estradas, pontes, rios, lagos e cascatas; ou portos de carga e descarga,
barracas coloridas para caravaneiros, cujos camelos e elefantes de barro descansavam
à sombra de palmeiras improvisadas e sob os bosques feitos de barbas de arvoredos.
Ainda havia
(4)
Mateus, cap. VI, TO. 19. 20 e 21.
jardins
suspensos como os da Babilônia, faróis queimando torcidas de cordas untadas de
azeite, à noite, para guiar as galeras retardadas que eram puxadas a barbante
pelos fiéis peritos sob as ordens de Jesus menino. Enfim, era um mundículo
férrico, divertido e contagioso, que reunia a gurizada da redondeza; e os
próprios adultos davam uma espiada à furtadela, quando precisavam arrastar os
filhos para o repouso noturno. Muitas vezes, Maria sentia-se dominada por
estranhas emoções e as lágrimas escorriam-lhe pelas faces, vendo aquele menino
como um reizinho venturoso, um deusinho criador dirigindo o seu mundo rico de
novidades e surpresas. Ele era o centro de atração da criançada buliçosa, que
entre gritos de alegria e de espanto, movia-se obediente às diretrizes por ele
traçadas e no intuito de preservar os brinquedos até o término dos divertimentos.
Eram pequenos vassalos, louros como a espiga do milho novo, ruivos e a cabeça metida
num fogaréu; ou escuros como ébano, filhos de etíopes emigrados; sardentos,
pálidos e "- orados; sujos e limpos; confortavelmente vestidos ou
esfarrapados, ali se confundiam nos limites do mundo elaborado e movimentado
pelo genial menino Jesus! Era um clã de meninos, que, pouco a pouco, se
integrava nas disposições temperamentais e emotivas dele, pois exigia bom comportamento
para o ingresso na sua "maçonaria" infantil.
Então,
reduzisse a maldade para com os pássaros e os animais; diminuía-se também a
traquinagem maliciosa e destruidora. Jesus inventava sempre coisas novas; do
barro argiloso e da areia umedecida, compunha castelos e reis, príncipes e
fortalezas, que reproduziam as histórias ouvidas de Maria, à noite, do folclore
hebraico. Por isso, os próprios meninos ressentidos retornavam breve e
submetiam-se à férrea disciplina de dominar o instinto daninho e os impulsos
cruéis para não perderem dádivas tão atraentes.
DO LIVRO: “O SUBLIME PEREGRINO” RAMATÍS/HERCÍLIO MAES – EDITORA DO
CONHECIMENTO.
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