PERGUNTA: E como se findou, realmente, o drama
tormentoso do Calvário?
RAMATÍS: O cimo do
Gólgota estava ficando deserto de estranhos e curiosos, pois só os amigos,
discípulos e parentes ali permaneciam açoitados pelo vento cada vez mais
impetuoso e uivante à flor do solo. A dor do Cordeiro do Senhor extravasava o
cálice da suportação humana; o Espírito mergulhado na tortura da carne vivia
minutos eternos represando em si as angústias da imensa responsabilidade de
esgotar a última gota de fel para a redenção do gênero humano. A chuva
benfeitora rugia além das colinas da Galiléia, manchando o noroeste de um negro
líquido; mas Jesus não desejava, de modo algum, esse alívio, que, ao mitigar-lhe
a sede abrasadora e banhar-lhe o corpo febril, também lhe prolongaria o
sofrimento desumano.
Sentia uma
excitação psico-nervosa cada vez mais intensa, tentando reunir todas as suas
forças físicas e espirituais para vencer a terrível opressão que ameaçava
despedaçar-lhe os tímpanos, romper-lhe a garganta e a cavidade pulmonar! Quis
abrir os olhos e só o conseguiu após tremendo esforço, movendo tormentosamente
a cabeça numa leve inclinação para a frente, como se tentasse vencer a massa
granítica que parecia lhe pesar na fronte. Eis que naquele momento, então,
fulgura no céu tenebroso um relâmpago imensurável; sob a sua luz cegante, Jesus
pôde vislumbrar e reconhecer os seus amigos, alguns discípulos e as piedosas mulheres
que ali se reuniam na mais terna e veemente oração. Sua alma entreabriu-se numa
visão beatífica e ele tentou mover os lábios; mas estavam tão rígidos, que não
puderam, sequer, esboçar-lhe o sorriso meigo de gratidão aos seus queridos. O
trovão rebentou forte e as nuvens dançavam furiosamente em choques bruscos; o
peso da atmosfera parecia cair todo sobre o corpo de Jesus aumentando-lhe a
terrível sensação de cruel esmagamento. Súbito, uma dor atroz partiu-lhe das pontas dos dedos
da mão esquerda; depois subiu-lhe rápida pelo braço, como um arame incandescente
perfurando-lhe as veias; e, num átimo de segundo, bloqueou-lhe o coração, paralisando-lhe
a respiração. Um forte estremecimento sacudiu-lhe as faces, os lábios e as pontas
dos dedos entorpecidos; os olhos se nublaram completamente e sua cabeça pendeu desamparada
sobre o ombro esquerdo!...
O Messias havia
expirado!... Eram três horas da tarde!
Tiago viu-lhe a
morte à luz do relâmpago e caiu de joelhos num grito de dor pela perda do
Mestre, e num brado de júbilo pela sua libertação do suplício bárbaro da cruz!
Todos levantaram-se e numa só exclamação, de braços erguidos, gritavam jubilosamente
chamando a atenção dos soldados:
— Hosanas!
Hosanas! O Mestre expirou! O Senhor nos ouviu!
Prostravam-se ao
solo e beijavam a terra entre soluços indescritíveis. Então o chefe da patrulha
de soldados, empunhando a lança, feriu a carne de Jesus; primeiramente de leve,
e depois forçou-a até manchar-se de rubro e verificar que não havia mais sinal
de vida. Em seguida, ordenou a um soldado que fosse dar ciência ao centurião
Quinto Cornélio da morte de um dos crucificados. Findara-se, entre todos, o
angustioso temor de o Amado Mestre apodrecer vivo na cruz ou ser devorado pelas
aves de rapina. Graças à sua natureza delicada e ao enfraquecimento vital
produzido pela exsudação sangüínea no Horto das Oliveiras, ele sucumbira em
menos de três horas pelo rompimento benfazejo da aorta dando-lhe a desejada
libertação na cruz! Alguns minutos depois o céu então se abria em cataratas de
chuva torrencial, sob o fragor dos trovões assustadores, do vento furioso e dos
raios fulgurantes, desgalhando árvores, abrindo sulcos na terra ressequida,
desmontando telheiros, ruindo túmulos à flor do solo, arrasando granjas e
manjedouras, rompendo diques, extravasando rios, estraçalhando pontes,
derribando muros, desmontando ruínas e abarrotando o chão das herdades com
milhares de frutos maduros.
As cruzes
oscilavam ameaçando tombar devido ao amolecimento da reduzida massa de terra
que cobria o cimo rochoso do monte da caveira, onde se dera a crucificação. Os
soldados calçavam nas com pedras e paus no meio da água que se juntava nas
bases vacilantes. Os dois ladrões crucificados moviam-se reanimados pela
preciosa linfa que lhes escorria através dos cabelos empapados, na avidez
animal de sobreviverem! Malgrado a insistência dos soldados para que todos
abandonassem o local, pois ali nada mais tinham a fazer com a morte de Jesus,
os seus amigos e discípulos permaneceram encharcados até os ossos e enlameados
até os tornozelos. Maria, abraçada à
trave inferior da cruz, beijava o dorso dos pés do amado filho; Madalena
soluçava prostrada de bruços no solo lamacento; e Tiago, de braços cruzados,
não desfitava os olhos do semblante imóvel e pálido do seu amado Amigo, sentindo-se
venturoso de vê-lo livre daquele suplício infernal. Pedro revelava um espanto
tão doloroso na sua face, que ainda parecia duvidar daquele acontecimento tão
trágico. João, de olhos entre-cerrados, tinha a mão direita crispada sobre o
coração e a esquerda pousada na testa inclinada; temia despertar do seu inundo fantasioso
e defrontar o pesadelo mais atroz da sua vida! Os demais enchiam o ar de
lamentos e prantos tão próprios da raça hebréia, erguendo os braços aos céus,
em tormentosa súplica e cruciante
desespero!
Finalmente, ao
anoitecer, José de Arimatéia e Nicodemus haviam conseguido de Pilatos a autorização
para descer-lhe o corpo da cruz, o qual estranhou a morte tão rápida de Jesus.
Depois de
embalsamado com aromas, sais da tradição hebraica e envolto em lençóis limpos,
o corpo do Amado Mestre foi colocado num sepulcro novo, cavado na rocha viva de
um horto adjacente, até lhe ser destinada mais tarde a moradia adequada, pois
sendo o sábado o "dia da preparação" da Páscoa dos judeus, não se
deveria cuidar de cerimônias fúnebres.
A tempestade
havia amainado e a água da chuva escorria pelas fendas rochosas e enlameadas do
Gólgota. Momentos depois, o grupo de criaturas pesarosas se punha a caminho
entoando um canto triste e pungente, o mais profundo lamento da alma
atormentada, onde a saudade, o remorso, a angústia e o desalento lavravam como
o fogo queimando as carnes tenras! Era a procissão lamentosa de homens e
mulheres lavados pela chuva e manchados pela lama, que seguiam pranteando a
perda do Sublime Amigo Jesus, o homem justo, inocente, heróico e leal, que sucumbira
para deixá-los viver!... Quando desapareceram no sopé da colina rochosa em direção
à cidade, deixando nas asas do vento fatigado os sons melancólicos dos mais
acerbos queixumes, ainda se podia ver no cimo do Gólgota a silhueta das três
cruzes, que Jesus havia entrevisto mediunicamente, durante a sua agonia
espiritual no Horto das Oliveiras e na véspera de sua morte!...
No entanto, a
cruz do centro estava vazia, porque já se havia cumprido o sacrifício do
Salvador!...
Daquele momento
em diante, ela deixava de ser o instrumento de castigo infamante do homem, para
se tornar o caminho abençoado da libertação espiritual da humanidade!... Jesus,
o Messias, havia triunfado sobre as Trevas, nutrindo a Luz do mundo através do
combustível sacrificial do seu próprio sangue!...
Fim.
(Do Livro: “O Sublime
Peregrino” Ramatís/Hercílio Maes – Editora do Conhecimento)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.