PERGUNTA: Contam os evangelistas que, na hora de Jesus
expirar, o céu abriu-se em tremenda tempestade e se "difundiram as trevas
sobre a terra e se rasgou o véu do Templo em duas partes". Que dizeis
disso?
RAMATÍS:
Conforme
dissemos, quando Jesus foi crucificado já passava do meio-dia; dali a algum
tempo a multidão foi-se reduzindo em face do calor sufocante e talvez saciada
do espetáculo confrangedor, que a uns comovia, a alguns horrorizava e a outros
atraía por espírito mórbido e sadismo. O sol ardente obrigava os restantes a procurar
sombras entre os raros arbustos, ou junto das ruínas de algumas catacumbas de
um velho cemitério abandonado. Mas quase todos se mostravam cansados e fartos
da cena tormentosa da crucificação, além do silêncio lúgubre que só era
entrecortado pelos gemidos cada vez mais pungentes dos crucificados ao lado de
Jesus.
Não era permitido
a ninguém aproximar-se da cruz além de dez jardas, pois a sentença impedia qualquer
iniciativa que reduzisse o tempo de vida dos crucificados, cuja infração
poderia ser punida até com a morte dos infratores e a prisão dos guardas negligentes.
Os parentes e amigos que se achavam mais próximos da cruz estavam de joelhos e
oravam a Deus para dar o alívio ou a morte ao querido Amigo e Mestre Jesus de
Nazaré; os homens tinham os olhos rasos de lágrimas
e as mulheres gemiam em lamento.
Em verdade, na
sexta-feira da crucificação todo o aspecto do tempo denunciava tempestade para a
tarde ou à noite. Quando já fazia duas horas que Jesus fora crucificado, nuvens
densas puseram-se a correr pelo céu, impelidas por um vento furioso, enquanto a
luz do dia se apagava aos poucos, vencida por inesperada escuridão. As
criaturas estranhas ao acontecimento da cruz apressaram-se a descer a encosta
do Gólgota em direção aos seus lares. Sob o rugido do vento impetuoso, as
cruzes se sacudiam arrancando gemidos lancinantes dos crucificados. Os próprios
soldados se entreolhavam inquietos e os amigos do Mestre esperançavam-se de que
Jeová iria intervir a favor do seu filho querido e
eleito para a glória de salvar Israel!
Jesus sentia os
braços cada vez mais entorpecidos por um espasmo cruciante; recrudesciam-lhe as
dores prensivas da cabeça e o estômago queimava-lhe ardendo de modo esbraseado,
enquanto os músculos do ventre pareciam rebentar sob a pressão da carga do corpo
crucificado, penso para diante. O sangue das feridas dos pés e das mãos havia
estancado, mas outra dor pungente tomava-lhe o coração. Tiago, o irmão de
Maria, confabulava com os companheiros; ele não poderia suportar o espantoso
drama de ver o seu adorado Mestre e sobrinho findar-se na cruz, aos poucos, só
pelo crime de ter amado demais a humanidade. O que iria lhe acontecer dali por
diante? Quantos dias Jesus resistiria, até apodrecer, acometido das pavorosas
crises da gangrena da cruz, torturado sob o enxame de moscas e insetos, ou
assaltado pelas aves carniceiras, que estavam habituadas a devorar os
crucificados abandonados nas estradas?
Tiago estava
decidido; mesmo que tivesse que submeter-se às mais terríveis torturas, jamais
ele deixaria morrer de fome ou de sede o seu Mestre, pois o sacrificaria
prematuramente dando-lhe o desejado alívio. Mediu o espaço que o separava dos
soldados, mas verificou, desanimado, que seria morto antes de lograr vencer
aquelas dez jardas. Naquele momento, num esforço supremo para exprimir-se,
Jesus conseguiu dar a entender que suplicava por um pouco d'água; os soldados
se entreolharam, numa espécie de consulta recíproca; então embeberam a esponja
no caneco de sua
beberagem alcoólica e aproximaram-lha dos lábios. Ele sorveu algumas gotas da bebida
ácida, gozando de breve alívio nos lábios ressequidos, para depois retornar à
sua condição de imobilidade atroz.
Tiago e João
ainda se aproximaram mais da cruz, quedando-se ante o sinal ameaçador de um soldado
armado de lança. Num esforço pungente, eles ergueram os olhos para Jesus, cujas
veias estavam tensas e pareciam saltar da fronte sob o impacto do sangue
impulsionado pela aorta.
Tiago enxugou o
rosto com a própria mão e olhou o céu, como a pedir socorro; súbito, luziu-lhe um
brilho de esperança nos olhos lacrimosos, ao ver que os soldados buscavam um
lugar apropriado para se abrigarem ante a tempestade que se mostrava cada vez
mais aterradora. Ele pretendia, de um salto, apanhar a lança que se achava
encostada ha cruz de um dos ladrões e por amor e piedade por Jesus, o melhor
homem do mundo, então far-lhe-ia cessar o tormento pavoroso, cravando-a no seu
coração!
(Do Livro: “O Sublime
Peregrino” Ramatís/Hercílio Maes – Editora do Conhecimento)
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