Sabedoria Ramatis

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quarta-feira, 15 de abril de 2015

O MILAGRE DA MEDIUNIDADE




"No Universo não existem fantasias nem milagres, mas tudo obedece a um processo de ciência cósmica com leis invariáveis."
     

      RAMATÍS, Elucidações do Além, 1964.

Cansada de tanta dor, a jovem senhora que mais parecia uma velha, pela aparência do corpo arqueado, resolveu que daquele momento em diante não buscaria mais o auxílio da medicina, e sim o "milagre" dos Céus. Assim, descendo de seu pedestal de "madame", resolveu começar subindo a escadaria da santa, durante uma romaria. Lá rezou à sua maneira, acendeu velas e pediu cura. Ensinaram-lhe que precisava fazer novena, e assim ela fez. Nenhum sinal, nada de o milagre acontecer. As dores lancinantes na coluna, depois de subir a escadaria, e a falta de resultado, após todo aquele sacrifício, já a estavam desanimando, quando recebeu nas mãos um panfleto. Ali estavam promessas de cura, de verdadeiros milagres operados pela força do Espírito Santo, e foi para lá que ela se dirigiu. No primeiro dia, era preciso expulsar o demônio, e só depois de "colaborar" com o templo e iniciar uma corrente de oração é que receberia a graça. Ela deixou naquele lugar uma boa quantia do dinheiro que já escasseava em decorrência de tantos gastos com a saúde, e no final de meses não obteve nenhum resultado. Angustiada, já pensava em suicídio quando uma amiga, das poucas que ainda lhe restavam, falou de uma sortista afamada que, além de ver o futuro por bem pouco dinheiro, faria algumas xaropadas que com certeza a curariam. E assim foi que gastou mais do que o prometido, e tudo o que conseguiu foi um desarranjo intestinal.
A dor continuava. A fraqueza agora tomava conta daquele corpo, e sua mente já estava com dificuldade de raciocínio. Das Dores, que era sua confiável e amorosa cozinheira de longos anos, encolhida em sua humildade, mesmo nada falando para a patroa, fazia rezas e pedidos para que recobrasse a saúde. Sabendo da aversão que a madame tinha pelos cultos afro, nunca ousou lhe contar que frequentava um terreiro de umbanda na periferia. 
Naquela manhã, a jovem senhora, após uma noite de insônia e muita dor, repensando sobre. como a vida lhe estava sendo roubada dia após dia, desejou não levantar mais da cama. Desde que as dores se instalaram em sua coluna, só somara perdas, uma após outra. Primeiro, foi o marido que arranjou outra mulher, diante da limitação da esposa em acompanhá-lo em sua ativa vida social, depois, a filha casou-se e mudou de país, e, em seguida, os amigos, foram aos poucos se afastando, pois o dinheiro escasseava. 
Das Dores, vendo que a patroa desistia de lutar, solicitou à sua protetora, uma preta velha chamada Maria Redonda, que lhe intuísse sobre como agir para ajudar aquele espírito enfermo. E, naquela mesma noite, Das Dores foi transportada em corpo astral para uma colônia espiritual denominada Aruanda e de lá carregou os ensinamentos de que precisava para socorrer a madame. Haveria de levantar a patroa daquele leito e, mesmo a contragosto, procuraria dar-lhe um banho quente, vestir roupas claras e levá-la ao terreiro de umbanda, na noite de gira de preto velho. Então, inventando uma desculpa qualquer, a bondosa negra obedeceu à sua mentora, chamou um táxi e transportou a patroa até o local. Quando lá chegaram, a sessão estava sendo aberta. A madame, mesmo confiando na bondosa empregada, assustou-se ao ver que estava num "centro de macumba", denominação que usava para esses locais. Escutando lá de fora a batida dos tambores e o cantarolar efusivo da corrente mediúnica, seu coração disparou, suas mãos suaram, as pernas tremeram; em sua mente fervilhavam imagens que, por mais que forçasse, não conseguia apagar. Afloravam ressonâncias de um passado em que usara a magia de maneira errada, bem como de quando se viu vítima da Inquisição. Ora as imagens que tumultuavam sua mente eram de uma fogueira enorme, onde via seu corpo queimando; eram cenas de matança de aves cujo sangue lhe banhava a fronte. Dando um grito de horror, desmaiou. Mesmo assim, foi transportada para o interior do templo por dois cambonos e colocada aos pés do congá. Rapidamente, sob as ordens do guia-chefe que já estava atuando em seu médium, formou-se uma corrente de medianeiros ao seu redor, que, com a puxada de pontos cantados, incorporavam seus guias e protetores.
A vibração de exu se fez necessária para a contenção das forças que teimavam em comandar aquele espírito que ocupava o corpo inerte. Dementados pelo ódio, nem perceberam que a luz os havia atraído, e assim se tornaram iscas para que fosse localizado no plano astral seu chefe, mago negro que comandava a operação. Além de todos os socorros efetuados no Astral, os trabalhadores espirituais ali presentes, por intermédio dos médiuns que cediam seus aparelhos, limpavam e curavam os corpos imateriais da jovem senhora, que agora acordava sob o amparo da bondosa Das Dores. Sem tempo de tomar qualquer atitude, foi levada pela empregada a uma sala interna do templo, onde, deitada em maca coberta por alvos lençóis, ficaria até se restabelecer do desmaio. Enquanto isso, na frente do congá eram puxados pontos cantados na linha de Yorimá para que a sessão, destinada aos pretos velhos, pudesse ser iniciada. Entre essências e ervas, e . sob a égide do Astral superior, os bondosos e sábios espíritos baixavam suas vibrações para chegar até os médiuns designados para o trabalho da noite. Um a um, sentadinhos em seus tocos, cachimbando e batendo o pé, atendiam amorosamente os consulentes que se enfileiravam em busca de alento e conforto. Já no final da sessão, o guia-chefe ordenou que fosse trazida a filha adoentada para que Maria Redonda a atendesse. Ainda um tanto assustada, mas sentindo imensa paz e quase sem dor nenhuma, a madame se deixou levar, embalada pelos bons fluidos que inundavam aquele ambiente tão simples, onde podia sentir-se tão protegida. Sentada em frente à sua amada cozinheira, estranhou vendo-a vestida em traje branco, fumando cachimbo e falando:


- Saravá, zifia! 
Não obtendo resposta, e sabendo da limitação de entendimento e da pouca fé daquele espírito, a bondosa preta velha manifestou-se pela médium de forma que a consulente pudesse entender, ou seja, num linguajar mais adequado ao seu nível cultural.
- A filha está assustada, e a preta velha entende isso. Entende também que estavas carregando nas costas, uma mala cheia de pedras da qual não querias te desvencilhar. Por isso, atendendo ao pedido de meu aparelho, e de teus protetores, autorizado pela Lei do Grande Pai Oxalá, foi permitido que pudesses ter a oportunidade de largar essa mala no rio da vida, e, assim, aliviar o peso de teu carma. Depois de tantos caminhos percorridos, depois de tantos milagres negados, hoje, aqui neste humilde templo, terás a oportunidade de dizer sim ou não, pelo teu livre-arbítrio, à continuidade desse sofrimento. Escolheste o trabalho mediúnico para sanar erros do passado e, no entanto, deixaste que o preconceito e o materialismo vencessem a disputa entre o bem e o mal; por isso a dor está sento uma espécie de "detonador". Nada tens no corpo físico, e disso já és sabedora. O mal de que padeces se chama "mediunidade reprimida", cuja demasia de ectoplasma está cristalizando já nos corpos materiais, quando não sendo utilizado pelas trevas, por falta do bom uso. Enquanto buscavas o milagre vindo de fora, teus amparadores nada podiam fazer, a não ser deixar que se cumprisse a Lei. E assim foi feito. Agora a preta velha fala para a filha que só existe um caminho a ser trilhado: o do amor. Amor que vai curar, auxiliar, amparar.
Neste templo existe um toco esperando uma preta velha que usará um corpo branco para se manifestar. 
Por bom tempo, Das Dores foi a mestra daquela madame diplomada. Perguntas e mais perguntas foram respondidas com a simplicidade e o amor de que são portadores os espíritos evoluídos e humildes.
Hoje, enquanto a sociedade abastada veste os corpos de ilusão da riqueza, da fama, do falso sucesso, uma antiga dama dessa casta dirige-se ao templo de umbanda para lá prestar a caridade. 
Pés descalços, sentada no toco, saudável e feliz, leva conforto e luz àqueles a quem as trevas insistem em levar a dor. Aprendeu que a fé às vezes precisa de um parto difícil para nascer, mas que só ela dá sustentação real a tudo aquilo que existe em nossa vida.

Vovó Benta

Do livro: “A Missão Da Umbanda” Ramatís/Norberto Peixoto – Editora do Conhecimento.

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