PERGUNTA: — E qual o aspecto da Galileia, no tempo do nascimento de Jesus?
RAMATíS: — A Galiléia ficava na região ao norte da Palestina; e no tempo de Jesus estendia-se desde o rio Jordão até ao mar Morto. Era virtualmente uma nação independente, constituindo uma tetrarquia sob os Herodes. Também era habitada por diversas raças, além dos judeus, tais como árabes, abissínios, gregos, fenícios, sírios, gente de Tiro, de Sidon, de Alexandria e alguns raros africanos.
As características religiosas, os costumes e temperamentos tão contraditórios entre esses diversos tipos, tal qual já acontecia em toda a Palestina, também provocavam discórdias, rixas e discussões, próprias da avareza e avidez de lucros nas suas especulações e negociatas. Isso fazia da Galileia um mundículo bulhento, cúpido e inquieto, cujos desentendimentos nasciam das coisas mais fúteis e pelas razões mais tolas.
A frequência de rabis, que peregrinavam comumente pela Judéia e demais províncias da Palestina, em que alguns se obstinavam em interpretar a seu modo as leis e os preceitos do Torá, concorria ainda mais para acirrar os ânimos e agravar as opiniões tão contraditórias sobre a religião. O afluxo contínuo de especuladores, charlatães, mercadores, camelôs e gente sem trabalho, que procuravam fixar-se na Judéia, sempre favorável para os bons negócios e especulações religiosas, também aumentava, dia a dia, as rixas, as discórdias e as injúrias, criando as situações mais incômodas e desagradáveis para as autoridades locais.
Mas, acima desse espírito belicoso da diversidade de raças, os galileus eram hospedeiros, sinceros e bons, pois não guardavam ressentimento algum entre si. Nas suas contendas religiosas, embora ruidosas, jamais eles desciam à baixeza de espírito, ao fanatismo e às asperezas do caráter e das sedições religiosas tão comuns entre os fariseus e saduceus de Jerusalém. O Sinédrio zombava da devoção ingênua do povo da Galileia, ria-se de sua simplicidade e de sua incapacidade para afeiçoar-se às pompas, ao culto ostensivo e às cerimônias religiosas. As virtudes dos galileus, que tanto emolduraram o trabalho de Jesus na fase iniciática de sua pregação da "Boa Nova", eram consideradas peculiaridades próprias de um povo atrasado, tolo e incapaz!
No entanto, já Isaías profetizara no Velho Testamento que a Galileia dos gentios seria bafejada pela luz do Senhor, embora os pósteros depois glosassem o provérbio de que "não podia vir boa coisa e bom profeta da Galileia".
PERGUNTA: — E que podereis dizer-nos sobre a província de Nazaré, onde Jesus viveu quase toda sua existência?
RAMATíS: — Nazaré, na época do advento de Jesus, era uma cidade pequena, com pouco mais de 2.000 habitantes, situada entre morros, numa encosta de montanhas que descia para o vale de Jezrael. As estradas que vinham de Séforis e outras partes, além da estrada principal das caravanas que cortava esse vale desde o mar Morto até Damasco, recortavam a província em todos os sentidos. O clima de Nazaré era acentuadamente saudável, embora bastante frio no inverno, descortinando o viandante ali uma das mais belas paisagens de toda a Galiléia, e, quiçá, do resto do mundo! Os campos cultivados com cevada, trigo e aveia, que manchavam a pradaria de tom verde claro, cor de limão novo, cessavam junto à encosta dos montes Tabor e Gilbos, depois de formarem delicado tapete de vegetação recortado pelos fios de água cristalina dos regatos e dos rios. A distância, as colinas banhadas de luz solar limitavam o horizonte num tom azul, lilás e violeta, enfeitadas no cimo pelas coroas de neve do fim de inverno, completando a moldura do quadro vivo e fascinante da paisagem de Nazaré.
As encostas dos morros eram pontilhadas de atalhos e estradas que subiam do vale de Jezrael e serpenteavam entre os tufos de capim, de musgo e de flores silvestres, eintilando sob o orvalho de madrugada. Alguns caminhos convergiam para o coração da cidade de Nazaré, que se aninhava na concavidade das montanhas; outros seguiam rumos diferentes, direção ao mar Morto ou Damasco, a Séforis ou Cafarnaum. Eles se abriam por entre a fartura de vinhedos e de oliveiras, que forneciam o vinho gostoso e o azeite mais suave da Galiléia. As granjas multiplicavam-se pelas planícies, mas sempre rodeadas de bosques e cipestres alternados com aí; figueiras pejadas de frutos de caldo doce e os limoeiros; cheiro penetrante. De vez em quando, por entre as árvores; frutíferas pintalgavam as pequenas romanceiras carregadas de romãs de bagos encarnados e sumarentos; ou então, pendiam das cerejeiras os cachos de cerejas carnudas e vermelhas.
Ao redor da cidade de Nazaré, formando caprichoso cinturão, esparramavam-se as casas de madeira de lei, construídas principalmente de cedro do Líbano, que se misturavam às cabanas bem feitas e às palhoças de barro batido, cobertas com folhas de palmeiras. À margem das estradas principais, sempre povoadas de caravaneiros, rabis, mercadores, soldados, coletores e povos de todas as raças, os bons galileus haviam construído poços d'água e ranchos com forragem e feno frescos para os animais cansados.
As hospedarias, embora remuneradas, eram acessíveis ao bolso de todos os viandantes, pois a qualquer hora os retardatários encontravam bom caldo de peixe, sopa suculenta de hortaliças com muito alho e cebola, carne assada, farinha cheirosa para o pirão de peixe seco ou salgado; o pão de trigo ou de centeio, fresco e saboroso, além das travessas com a fartura de saladas de legumes regados com o melhor azeite do lugar.
Sobre as mesas, a bilha de vinho exalava o odor da uva madura; à sobremesa, em geral, havia figos melosos e macios, pêssegos aveludados ou tâmaras de Jerico.
Os viajores também encontravam, junto à estrada, o seleiro para ajustar os arreios, o ferreiro para ferrar os animais, o carpinteiro que consertava as charruas e outras viaturas. Havia, também, pequenas indústrias e artesanatos, que vendiam pás, enxadas, ancinhos, coxos e mós para a moenda de trigo; ripas, sarrafos e tábuas para a construção; bilhas, odres, vasos e apetrechos de cerâmica, feitos com arte e gosto. Era fácil encontrar o tecelão, cuja família inteira o ajudava entre o pó dos teares, fazendo desde o pano simples para o lençol, o de ramagens para a túnica ou a veste, o tapete pequeno para a entrada, ou o toldo berrante para a cobertura de mercadorias ou de proteção contra o sol. Havia ainda chinelas recortadas de veludo, com florinhas de cetim, feitas para uso doméstico; outras eram de cordas, trançadas de cerda ou de couro, com sola de madeira muito própria para o serviço externo. Nas proximidades das cidades crescia o mercado de flores de papel e de cetim, de panos bordados com fios de Sidon; havia, ainda, colares trazidos do Egito e da Etiópia, bolsas de veludo e de seda; tecidos de púrpura, tachos e panelas de cobre das fundições de Tiro, onde os escravos se consumiam na tortura do trabalho impiedoso.
Os óleos aromáticos, as ervas cheirosas, a mirra, o incenso e os filtros amorosos da índia, eram apregoados pelos camelôs bulhentos!
Assim era a província de Nazaré, com o seu cenário encantador e buliçoso, que depois serviria para hospedar o mais excelso dos hóspedes — Jesus, o Sublime Peregrino.
LIVRO: "O SUBLIME PEREGRINO" RAMATÍS/HERCÍLIO MAES - EDITORA DO CONHECIMENTO.
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