Sabedoria Ramatis

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quinta-feira, 31 de agosto de 2017

MARIA E ASPECTOS DO SEU LAR


PERGUNTA:  Ser-vos-ia possível dar-nos alguns relatos da vida cotidiana de Maria, no seu lar, na época da meninice de Jesus?

RAMATÍS: 
Quando o menino Jesus atingiu os dez anos, Maria já era responsável por uma prole numerosa, pois, além dos filhos sobreviventes do primeiro casamento de José com Débora, já haviam nascido Efrain, José, Elisabete e Andreia, enquanto Ana e Tiago são posteriores. 
A sua vida doméstica entre 05 filhos assemelhava-se à existência das demais mulheres hebréias da época, pertencentes a famílias de parcos recursos. Era costume as mulheres secarem o trigo e o
centeio em esteiras expostas ao sol e depois os levarem aos moinhos da redondeza, onde os vendiam em quartas e assim aumentava a receita do lar. Algumas famílias pobres dos subúrbios de Nazaré plantavam legumes e hortaliças, ou destilavam sucos de frutas em pequenos alambiques; outras conseguiam mesmo extrair o azeite das oliveiras e com isso obtinham um pecúlio mais sólido para os gastos habituais. Eram mobilizados todos os recursos possíveis para a sobrevivência, porquanto além da pesca, dos serviços modestos da carpintaria, do ofício de tecelão, oleiro, ferraria e seleiro, não existia em Nazaré qualquer indústria de alto calado, capaz de desafogar a despesa dos seus moradores. As mulheres hebréias, laboriosas, decididas e engenhosas, faziam pães de trigo e de centeio misturados ao mel, farinha cheirosa de tubérculos da terra e depois torrada, ou de peixe; preparavam deliciosos frutos em calda e os vendiam em potes de barro glausurado; coziam frutos como o pêssego, a pêra e o damasco, em açúcar cristalizado, que acomodavam em caixas de madeira de cedro fino e forradas com folhas de parreira. 
Algumas casas eram tradicionalmente procuradas pelos interessados e compradores, a ponto de os seus moradores serem incapazes de atender aos pedidos de doces, farinhas de cereais e de peixes, frutos em calda, sucos, conservas de hortaliças e legumes em potinhos de barro, em que muitas mulheres eram exímias e experientes.
Assim era também a vida de Maria, mãe de Jesus, que se desdobrava com os filhos tanto quanto possível para a sustentação do lar, pois todos cooperavam na fabricação de doces, plantação modesta de legumes e hortaliças, na secagem do trigo, do centeio e do peixe, de modo a viverem existência modesta, porém razoável. Era uma vida árida e laboriosa, de poucas compensações divertidas ou de descanso. Quase que o maior entretenimento era cultivado num desafogo delicioso, junto ao poço comum, que abastecia o lugarejo de água necessária. Depois da tarefa exaustiva do lar, o intercâmbio jovial e ruidoso em torno da fonte de água de Nazaré significava um descanso para o espírito atribulado. A hora de buscar água constituía um encontro festivo entre o mulheril para a troca de notícias em comum, que iam desde as preocupações da criação
da prole até aos percalços da vida alheia. Vizinhos, amigos, forasteiros, mercadores e rabis reuniam-se em torno do poço tradicional, o qual se tornava o denominador comum de todas as ansiedades e emoções dos nazarenos. As jovens, as anciães e os meninos formavam filas compridas carregando bilhas, vasilhames de cobre, potes, jarras vidradas e moringas, que brilhavam ao sol, numa cena pitoresca e tentadora ao pincel do mais rude artista. Ao redor dessa fonte floresciam amizades e nasciam amores; acertavam-se noivados e se pensava em casamento; mais de um gesto cortês do jovem ao carregar a bilha d'água da moça encabulada resultou, mais tarde, num esponsalício feliz!
E o menino Jesus, sempre serviçal e atencioso, principalmente com os velhos e doentes, prestava toda sorte de favorecimentos ali junto ao poço, movendo-se alegre e jubiloso entre bilhas, jarras e vasilhames de todos os tipos e moldes. Ele se regozijava de encher o cântaro dos mais velhos, lavava as jarras, ajudava os cães a mitigar a sede. Às vezes, tudo terminava em inesperados banhos de água, em conseqüência das travessuras de outros meninos seus conterrâneos.
Retornava alegre e brincalhão depois de ajudar junto à fonte; c jamais desmentia o seu espírito de justiça e respeito ao próximo, pois jamais carregava a jarra d'água da moça, antes de servir a mulher idosa!
Quando José faleceu, vítima de um insulto cardíaco e Jesus alcançava os vinte e três anos, Maria assumiu definitivamente a direção do lar e manteve junto de si, como a ave ciosa da prole, os menores, enquanto José, que atingia vinte anos, ajudado por Tiago, com onze anos, se devotavam aos serviços de carpintaria herdada do pai. Efrain, com vinte e dois anos, demonstrando desde cedo um espírito especulador, pertinaz e ambicioso, já se fazia intermediário em alguns negócios de fornecimento de víveres e suprimentos para os grandes negociantes hebreus e fornecedores dos romanos. Alguns anos depois, a sua situação financeira era bastante desafogado e respeitada. Enquanto Andreia prestava alguns serviços aos vizinhos e caravaneiros nos entrepostos, Ana e Elisabete ajudavam nos bordados que Maria lhes ensinava como frutos de seu aprendizado entre as jovens de Sião, de Jerusalém. Os enteados, Eleazar, Matias e Cleofas, também conhecido por Simão, filho de José, jamais mostraram qualquer ressentimento ou queixas contra aquela mulher heróica, que os amparara desde a meninice sob o afeto puro de mãe adotiva.
Assim transcorreu-lhe a vida até que João, o Evangelista, levou-a para Éfeso, já bastante idosa, onde mais tarde desencarnou, depois de ter atendido a todas as criaturas, transmitindo-lhes os mais puros sentimentos de ternura e amor em homenagem ao filho querido sucumbido na cruz para redimir o homem! Em torno dela reuniram-se os tristes, os desamparados e doentes, ainda esperançosos da presença espiritual do Amado Mestre e da cura dos seus males. Maria, boníssima e leal no seu amor a Jesus, lamentava-se por vezes, pelo fato de não ter compreendido há mais tempo a. sublime e heróica missão de seu filho. Entre os discípulos e seguidores do Cristo-Jesus, velhinha e exausta, certo dia descansou, libertando-se da matéria opressiva.


PERGUNTA: — Qual era o aspecto do lar de Jesus, durante a sua infância?

RAMATíS: —
Era uma casa simples num subúrbio de Nazaré, semelhante às residências árabes, construída de blocos encorpados de argamassa e liga de cal, parecida ao giz branco, com as suturas feitas de barro amassado. A porta de entrada era baixa e sem segurança, dando acesso a dois aposentos espaçosos, que não possuíam paredes divisórias, mas apenas duas cortinas
feitas dos próprios cobertores presos por ganchos numa corda rústica. Ambos se comunicavam cem a oficina de carpintaria de José, e esta, por sua vez, permitia ingresso no estábulo por uma portinhola de meia altura. Em lugar de janela, havia uma grande rótula no teto, por onde entrava bastante claridade sobre o chão de terra batida, semicoberto com peles de cabras, de camelos e de carneiros, além de cobertores leves e esteiras de palha trançada. Era uma casa térrea, cujo aposento central e espaçoso servia, ao mesmo tempo, de cozinha, de sala-de-estar e até de quarto de dormir para os hóspedes retardatários.
Embora pobre, era confortável para os costumes daquela gente tão protegida pelo clima saudável e a prodigalidade de peixes e de frutas para o sustento fácil. Eram reduzidos os problemas da manutenção da família no tocante ao alimento; e mesmo quanto às vestes, bastavam-lhe poucas roupas e agasalhos. A sua índole inata de hospedeiros fazia-os merecedores de presentes e auxílios dos forasteiros que eram benquistos e preferiam o aconchego de uma família pobre, mas sadia e honrada, do que as hospedadas dos entrepostos de estradas, onde se fazia a mais censurável mistura de homens de todas as raças, condutas, enfermidades e todos os vícios!
Durante os dias secos e ensolarados, quando o céu era límpido, cozinhava-se fora, pois o combustível para o fogão consistia em galhos secos de ciprestes, e cedros, cujo calor era
habilmente conservado com estrume de camelo ressequido e misturado com serragem produzida no serviço da carpintaria. O fogão, grande e bojudo, descansava num tripé de ferro, sendo recolhido, nos dias chuvosos, para dentro de casa, cuja fumaça enegrecia as paredes por falta de ventilação apropriada.
Em torno da casa havia uma cerca de tapumes feita de retalhos de tábuas e ripas, na qual se entrelaçavam cipós florescidos com florinhas miúdas; aqui e ali, repontavam alguns tufos de margaridas transplantados das margens do Jordão e que exigiam muita umidade. Pequenos canteiros circundados de pedras, obra indefectível do menino Jesus, protegiam algumas roseiras que emergiam do punho vermelho vivo e afogueado das papoulas. José e Maria possuíam alguns cabritos, galinhas e marrecos, que lhes forneciam o leite e ovos, além do tradicional burrico dócil e pacífico, que servia para as andanças do ofício de carpinteiro e a entrega dos serviços de menor porte.
O observador arguto reconheceria naquele cenário pobre, simples mas emotivo, o toque mágico das mãos do menino Jesus; aqui, as pedras arrumadas com um agradável senso estético, delineavam os contornos do jardim modesto; ali, ripinhas de todos os tipos e tamanhos firmavam papoulas chamejantes, íris e narcisos, e tirinhas de couro guiavam os cipós floridos e as trepadeiras para o trânsito na ponta das cercas; acolá, a areia fina e dourada da beira das encostas das pedreiras, cobria os caminhos por onde Maria deveria estender as roupas ou atender as aves. E ali se via ainda o arremate do menino artista pelos pincéis e os vasilhames de cobre sujos de tinta, que haviam servido para a pintura nova dos alicerces da casa, das guarnições da porta, dos cochos de alimento dos animais e das aves. A sua iniciativa benfeitora tornara a casa de Maria e José a mais simpática e admirada do subúrbio pobre, pois se ele era incapaz de ficar agrilhoado ao horário draconiano de obrigações inadiáveis, jamais se cansava quando o seu espírito criador e construtivo se decidia a produzir algo de agradável aos outros.
Rebelde à imposição alheia, era um escravo dócil e desinteressado sob a força do seu próprio impulso criador.

LIVRO: "O SUBLIME PEREGRINO" RAMATÍS/HERCÍLIO MAES - EDITORA DO CONHECIMENTO.

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