Era a pergunta que fazia, entre lágrimas, uma mãe desesperançada,
ajoelhada aos pés da médium incorporada. Os cabelos desalinhados demonstravam
pouco caso com o corpo físico, contrariando a mulher que fora algum tempo
atrás, quando a vaidade era ponto preponderante em sua personalidade. Os anéis
que enchiam seus dedos já não tinham o brilho da jóia cara, pois haviam perdido
o valor que sempre dera e eles. Estava ali depois de ter passado por muitos
lugares, mas em nenhum encontrara a resposta para aquela pergunta.
A dor terrível da perda ainda lhe corroia o coração. Fazia mais
de dois anos que seu único filho havia desencarnado com apenas três anos de
idade. Carregava com ela uma foto do principezinho de olhos azuis.
Desde a perda, sentia corno se lhe tivessem arrancado um braço,
deixando se esvair por ali parte de sua energia vital e todo o seu prazer pela
vida.
A preta velha escutava pacientemente os lamentos daquela
mãe, enquanto buscava, usando seu adestrado poder mental clarividente, realizar
em outro nível, fora do plano físico, a transmutação das formas-pensamento
plasmadas e vivificadas por aquele espírito em desequilíbrio.
Pela magia do amor, convocava os elementais para que pudessem
efetuar, com seus respectivos elementos, a profilaxia necessária nas larvas
astrais que se acumulavam em seus centros de força.
A movimentação que se realizava no plano astral era intensa
e ignorada pela mulher, que, enclausurada em sua dor, só queria uma resposta que lhe alentasse
o coração. Percebendo que, por ligações ancestrais, aquele ser estava sendo
alvo de indução mental negativa, num total desrespeito ao seu merecimento,
denotando um processo obsessivo mórbido que a ligava a um bolsão de espíritos
do Umbral inferior, renitentes e materialistas, a bondosa e sábia preta velha
convocou a presença do exu de sua serventia, que, adentrou aquele lugar com sua
falange, retendo-os e encaminhando-os ao aprendizado necessário num entreposto
transitório do Astral, restabelecendo a justiça até as devidas deliberações pelos
Maiorais siderais. Ao mesmo tempo, era prestado socorro a muitos outros
espíritos sofredores alienados e vencidos pela dor, que, por sintonia
vibratória (semelhante atrai semelhante), intensificavam, por repercussão vibratória,
o estado de torpor mental da mãe revoltada com a perda do filhinho.
A catarse que se verificava com aquela mãe, naquele
instante, a acalmava diante da sensação de aconchego que a bondosa preta velha
lhe proporcionava, além das palavras a ela dirigidas:
- Negra velha vai responder à sua pergunta fazendo outra:
"Você amava aquele filho que
partiu?".
- Meu Deus, é claro que o amava! Ele era meu único filho.
- Então, meu conselho é que continue amando.
- Eu o amo ainda e sinto falta de sua presença. Eu deveria
ter morrido no lugar dele.
- Negra velha pede desculpas à filha, mas vai ter de ser verdadeira,
dizendo que mesmo não duvidando desse amor ele é egoísta demais.
Ao ouvir isso e sentindo-se insultada, a mulher reclamou:
- Eu, egoísta? Amar um filho é ser egoísta?
- Amar significa libertar. A filha não está querendo deixar
que esse espírito tome seu rumo; está sofrendo porque ele se foi. Mas, imagine,
se a filha tivesse ido em seu lugar; nessa situação, o sofrimento seria dele, e
talvez fosse ainda muito maior que o seu; pois ficaria órfão. Além disso, filha,
o que fez até agora para preencher essa falta que diz sentir, além de chorar?
Por acaso percebeu que a poucos metros de sua casa existe um "lar-abrigo"
de crianças abandonadas e carentes? Já pensou em secar essas lágrimas e sorrir
para elas? Sofre sem seu filho; elas sofrem por não terem uma mãe.
A mulher baixou a cabeça envergonhada, lembrando-se de que pensara
muitas vezes que Deus poderia ter levado uma daquelas crianças órfãs em vez de
seu querido menino.
- A vida, minha filha, é um quebra-cabeças muito bem arquitetado,
em que todas as peças têm um lugar certo. Ache o seu, pois o filho que há tempo
partiu neste momento está chegando onde devia.
A preta velha não falou mais nada, apenas a abençoou, despedindo-se.
Era preciso que a atendida interiorizasse tudo o que ouvira, porém com mais
lucidez, pois já havia ganhado ali, naquela humilde tenda umbandista, toda a
ajuda que seu merecimento permitia. Haveria de compreender melhor seu sofrimento,
ampliando o discernimento diante da constatação de que a morte não existe.
O cambono não compreendeu porque a preta velha agora sorria
e lhe oferecia um pirulito, pedindo que a corrente puxasse um ponto cantado da
vibratória de Yori. O que ele não via era o cenário que se armava no plano
astral. Espíritos com muita luz, sob a forma de alegres crianças, invadiam
aquela tenda para levar o menino que havia morrido, mas não
"desencarnado", pois sua mãe carnal o prendia à crosta, junto dela,
por meio de seu desespero irracional. Enfraquecido e frágil, ele agora
encontraria um lar, muitas mães e amigos de várias encarnações passadas, que o ajudariam
a continuar sua caminhada evolutiva como espírito imortal.
Na "lua" seguinte, voltava mulher com uma criança
negra e raquítica pela mão para que a preta velha a curasse de uma bronquite
crônica. Entre todas as crianças do "lar-abrigo", aquela havia
conquistado o seu coração.
A preta velha sorriu. A pergunta estava respondida.
Vovó Benta
DO LIVRO: “A MISSÃO DA UMBANDA” RAMATÍS/NORBERTO PEIXOTO –
EDITORA DO CONHECIMENTO.
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